O Conservadorismo e seu Inverso – Parte II

  • William M. Torquato
  • 19 fev 2022

Mas se ser conservador não é ser reacionário, imobilista ou progressista, então: o que é? Como bem nos diz João Pereira Coutinho, em seu livro “As Ideias Conservadoras”, o conservadorismo é mais uma disposição, um estado de espírito comum a todos nós, do que um sistema racionalmente fundado. Seguindo na mesma direção, João Camilo nos diz: Poderíamos definir o conservadorismo do seguinte modo: é uma posição que reconhece que a existência das comunidades está sujeita a determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e futuro. Podemos dizer que o traço mais característico da psicologia conservadora consiste, exatamente, no fato de que não considera viáveis as transformações e mudanças feitas sem o sentido de continuidade histórica mais: o conservador acha impraticáveis e condenadas ao suicídio todas as reformas fundadas unicamente na vontade humana, sem respeito às condições preexistentes. Podemos reformar por meio de um processo de cautelosa adaptação do existente às novas condições – e nunca pelo estabelecimento de algo radicalmente novo“. [1] Torres, 2015, p. 40  

                                                       

                  O que é Conservadorismo

Bem diferente das posições contrárias citadas (reacionarismo ou progressismo), o conservadorismo não busca uma ruptura entre o passado, presente e futuro, mas o oposto, isto é, uma continuidade. O conservador compreende que a história não pode ser interrompida pela vontade humana, e mesmo uma ruptura não é capaz disso – porque, em muitos casos, acaba trazendo uma confusão social e política, ao provocar uma mudança substancial na sociedade. Ora, toda ruptura – ou revolução –, quando não é realizada com bom senso, de maneira equilibrada, tem mais chances de produzir o inverso do que se pretendia – tanto para o mal, quanto para o bem. Portanto, no fim das contas, toda ruptura entrega as rédeas da política, e de toda uma Nação, ao acaso e, por natureza, não há garantias no campo do acaso: “E o futuro? O futuro é o porvir […]. Em resumo: não sabemos como será o futuro […]. Além de desconhecido, o porvir não existe e, portanto, não pode determinar nada. Principalmente o futuro não pode condicionar nada“. [2] Torres, 2015, p. 59

No entanto, como por um lado o futuro é uma aposta, uma total incerteza – não sendo saudável depositar completamente a direção política e social da Nação -, com o passado a situação é diferente: Primeiramente o passado é objeto de conhecimento. Em segundo lugar, o passado deixa a sua marca e o seu ferrete […]. Quer dizer: o passado, embora tenha passado, não existindo mais, pode ser objeto de conhecimento e, pela tradição, chega até nós. Atua sobre nós“. [3] Torres, 2015, p. 64 Em resumo: o passado nos dá garantias e meios para construir um futuro mais positivo e promissor, nos afastando da impulsiva vontade humana que a tudo quer aderir – sendo encantada pela ilusão das aparências e da demagogia.

Já a ruptura é perigosa por causa do seu viés anti-histórico, ou seja: que nega o tempo, por sua vez, “nas situações nascidas de continuidade e permanência, por um simples desdobramento da anterior, quando, afinal, ambas pertencem à mesma unidade cultural, os homens se sentem à vontade e compreendem a relação entre o passado e o presente”. [4] Torres, 2015, p. 58-59 Diferente de outras posições, a relação entre passado, presente e futuro, no conservadorismo, dá-se por meio de reformas. É da natureza do conservadorismo fazer reformas, porque o princípio fundamental do conservador, diante destas reformas, é conservar reformando. Talvez não seja próprio do conservador iniciar as reformas, isso é verdade, mas, uma vez que tal reforma tenha ocorrido, “o conservador a aceita, adaptando-a às condições preexistentes, consagra-a”. [5] Torres, 2015, p. 42  

Podemos definir a forma como o conservador põe em prática sua reforma através de duas notas dadas por João Camilo:

a) Que seja verdadeira a reforma, isto é, alterando um ser preexistente, sem modificá-lo em suas estruturas essenciais (ele continua a ser o que era, mas melhorando e adaptando às novas condições); quando as monarquias absolutas se transformaram em parlamentares, quando nos quadros do Estado liberal de direito se encaixaram as reformas sociais do “securitismo”, então tivemos reformas cite-se o exemplo inglês: o governo britânico, hoje, como no tempo da primeira Isabel, é o da “rainha em seu parlamento”, mas governa o primeiro ministro de acordo com os votos dos cidadãos[…].

b) Estas reformas devem obedecer fielmente aos princípios tradicionais, não quebrando a continuidade entre o passado, o presente e o futuro”. [6] Torres, 2015, p. 43

É natural do conservador, e consequentemente do conservadorismo – uma vez que ele compreende o sentido irreversível da História e sua condição temporal necessária -, não acreditar que existiu, existe ou existirá uma época magnânima e perfeita, uma era de ouro ao qual devemos volver ao passado ou tentar impô-la à realidade com base em ideias absolutizadas –  ideologias – e distantes, que nada garantem o sucesso concreto no futuro; muito pelo contrário, acabam por distorcer a realidade, transformando-a em bizarrices e quimeras. São as reformas, guiadas pelo espírito da continuidade, as com mais chances de gerar frutos sadios – uma vez que mantém a unidade histórica central intacta, não usando da ruptura que sempre causa danos muitas vezes irreparáveis à Nação.

No entanto, reformar apenas por reformar também não é uma virtude em si – uma vez que a reforma pela reforma pode causar os mesmos danos que uma revolução ao não ter o cuidado de como ela será realizada. Em outras palavras, as reformas conservadoras são guiadas, além do caráter de continuidade, pela prudência, isto é, o bom e velho “vamos com calma! ”. Sabendo que não há perfeição em nenhuma época – como também não haverá em nenhum homem -, o conservador procurará agir com prudência em suas decisões, não apenas ao conservar o que existe de bom, mas também ao impedir reformas de teor revolucionário, reacionário ou imobilista que possam trazer males:

E não basta conservar o que existe de bom, agora. Convém impedir medidas reformistas erradas. Por muito capaz que seja um estadista, e por muito bem informada que seja a elite dirigente de um partido, isto não quer dizer que suas ideias, a respeito de todas as questões, sejam necessariamente exatas. Pode um partido ter um excelente programa de reformas sociais e econômicas e estar completamente errado em matéria de educação. Todos nós, aliás, temos opiniões formadas sobre todas as questões, opiniões, estas, muitas vezes nascidas de motivos puramente subjetivos ou de caráter pessoal. Quantas vezes não lemos num autor opiniões concretas em divergência com seus princípios gerais, mas que adota por motivo de antipatias pessoais ou outras equações igualmente subjetivas?”. [7] Torres, 2015, p. 47-48

O propósito exato da política verdadeiramente conservadora não é negar o novo, ou ficar estático, ou negar o antigo; suas reformas buscam, antes de tudo, “dar-lhes um tom moderado e tranquilo, acomodá-las às condições gerais da sociedade, naturalizá-las, em suma”. [8] Torres, 2015, p. 54-55 Quer dizer, transformá-las em hábito, harmonizando de maneira limpa, com as reformas realizadas, os valores tradicionais. Sendo ainda mais direto: o conservador dá ao povo a possibilidade de se acostumar com os novos “retoques” de uma reforma, tornando-os menos invasivos ao que já é comum.

Portanto, não há qualquer relação entre o real sentido do termo Conservador com a falsa ideia criada pela esquerda aqui no Brasil. Ser conservador não é ser atrasado, mas ter a consciência que as reformas devem ser feitas com razão, não com a vontade; ser conservador não é ser estático, negando o passado e temendo qualquer reforma, mas manter o que passou pelos testes do tempo, conservando-o, e podando as pontas soltas para adequar o novo ao velho; ser conservador não ser é romântico (no sentido de considerar uma época passada como perfeita e, diante disso, desejar retornar a ela), mas ter a consciência de que o novo não é necessariamente bom, mas que pode causar um grande dano à Nação – caso rompa drasticamente com o passado, destruindo-o. Em suma, ser conservador é saber que cada situação exige uma resposta própria, que esteja de acordo com esta – considerando todas as particularidades existentes. Em resumo, ser conservador é ter Prudência.

References

References
1 Torres, 2015, p. 40
2 Torres, 2015, p. 59
3 Torres, 2015, p. 64
4 Torres, 2015, p. 58-59
5 Torres, 2015, p. 42
6 Torres, 2015, p. 43
7 Torres, 2015, p. 47-48
8 Torres, 2015, p. 54-55
William M. Torquato

William M. Torquato é natural de Maceió. Acadêmico de Psicologia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau, estudante autodidata de Filosofia, tomou gosto por contar e escrever histórias que nem sempre viram a luz dos olhos alheios.

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