Quando Edmund Wilson escreveu esse trecho, tentava mostrar ao leitor a felicidade com a qual Jules Michelet estava por ter descoberto, por acidente, Giambattista Vico:
“Aqui, através da visão precisa de Vico – quase como se contemplássemos as próprias paisagens do Mediterrâneo – vemos dissiparem-se as névoas que obscurecem os horizontes dos tempos mais remotos, vemos esvanescerem-se as nuvens da lenda. Nas sombras, há menos monstros; heróis e deuses euevaporam-se. O que vemos agora são os homens tal como conhecemos. Os mitos que nos fizeram sonhar são projeções de uma imaginação humana como a nossa, e – se procurarmos a chave em nós mesmos e aprendemos a lê-los corretamente – esses mitos nos apresentarão a história das aventuras de homens como nós, um relato a que antes não tínhamos acesso“. [1] WILSON, Edmund. Rumo à estação Finlândia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 17.
Acreditamos que, ao ler um grande escritor, qualquer amante dos estudos sinta um júbilo, ao ponto dos seus antigos enigmas tornarem-se claros. Sempre que um grande estudante tem contato com um grande escritor, belas obras são escritas. Michelet, em uma explosão de sentimentos, escreveu uma Introdução à história universal. Depois, escreveu, em vários volumes, História da Idade Média. Caso semelhante também aconteceu com os alunos de Eric Voegelin, onde seu Instituto de Ciências Políticas, em Munique, formou jovens e obras grandiosas – a priori, temos a Schriftenreihe zur Politik und Geschichte, que já passa de dez volumes.
Dentre seus alunos, há Peter Weber-Schaefer com estudos sobre a ecumênica chinesa; Peter von Sivers e o estudo das teorias políticas de Ibn Khaldun; Manfred Henningsen com o “Um estudo de História de Toynbee”; Tilo Schabert com o trabalho sobre os simbolismos da natureza e revolução na França do século XVIII, dentres outros. Existem também coincidências de primavera, como, por exemplo, com Sócrates, Platão e Aristóteles, bem como Ésquilo, Sófocles e Eurípides, além de Edmund Husserl, que foi professor de Martin Heidegger e este de Hannah Arendt. O mesmo aconteceu com Olavo de Carvalho, José Monir Nasser e Miguel Reale. Porém, é de Carvalho que sou aluno, e, portanto, é dele a filosofia que mostrarei neste ensaio.
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A filosofia de Olavo de Carvalho está espalhada – diluída – nos seus cursos e em seus livros ao passo que, para entendê-la, é necessária uma reorganização entre assuntos. Em seu filosofar, há estudos sobre poder, paralaxe cognitiva, contemplação amorosa, círculo de latência, tripla intuição, intuicionismo radical, ideia pura de ciência, as 12 camadas da personalidade, a teoria do Estado, astrocaracterologia, teoria dos Impérios, divinização do tempo, fenomenologia do milagre, testemunha individual, os quatro discursos de Aristóteles, noções de geometria, gêneros literários, entre outros. Percebe-se, portanto, que Carvalho não escreveu um livro para tratar de cada assunto individualmente, mas que tratava-os obedecendo aquilo que sua mente, ao filosofar, ordenava – de modo que os temas, aos quais ele ensinava, não tivessem uma encadernação arrumada.
Todavia, encontram-se, no livro Inteligência e Verdade, alguns tópicos fundamentais do seu pensar, como a ideia pura de ciência, sucedendo deste, portanto, o nosso ensaio. No primeiro capítulo, falaremos da Presença do Ser. Assim, por uma questão de organização, optamos por começar por esse objeto. Olavo recebeu muita influência de Louis Lavelle, ao ponto de ministrar um curso que, posteriormente, transformou-se no livro “Introdução à filosofia de Louis Lavelle”, dando, então, corpo a sua teoria sobre a metafísica do ser. Para o filósofo, a presença faz a ponte entre, por exemplo, as percepções sensíveis e a memória. No segundo capítulo, analisaremos como ele articulou os conceitos de sujeito e objeto – que conceitualmente aparecem separados somente in verbis -, o que nos levou a crer que ele recebeu uma influência, também, da fenomenologia de Edmund Husserl. Por conta desta, as ideias de Carvalho não encontrarão corpo no solipsismo, tanto que ele deixa claro, em A Consciência de Imortalidade, que a consciência não é criação e nem causa do cérebro. [2] CARVALHO, Olavo de. A Consciência de Imortalidade. Campinas, SP: Vide Editorial, 2021, p. 37.
No terceiro capítulo, por sua vez, iremos adentrar na ideia pura de ciência, que divide-se em duas partes: condições práticas e condições teóricas. As teóricas tornam as práticas exequíveis e são organizadas através da intuição, repetibilidade do ato intuitivo através do princípio de identidade, dispositivo de registro e transmissibilidade essencial. Já as práticas dividem-se em evidência direta, indireta, juízo e nexo evidente. Este capítulo, porém, tratará somente da Tripla Intuição. O quarto capítulo será destinado a compor a ponte entre a intuição e a imagem através do princípio de identidade. Já o quinto capítulo busca encontrar uma relação entre o juízo e a experiência, pois, para Carvalho, nós intuímos, criamos uma imagem, um juízo e, ao verbalizá-lo, desenvolvemos uma proposição – de onde conclui-se que todo conceito filosófico refinado, assim como as simples palavras, têm, por base, uma substância real rastreável na realidade. Dessa forma, explicaremos como um filósofo pode encontrar convergência com um romancista ou poeta em relação à realidade, o que demonstra que a experiência real pode ser verbalizada em diferentes discursos. Por fim, o último capítulo passará a explicar alguns fenômenos políticos e sociais por teoria, como, por exemplo, a paralaxe cognitiva.