Prelúdio à Filosofia Quadrante: prefácio ao livro “Ensaios Metafísicos” de Anderson Teixeira – Parte I

  • Rickson Oliveira
  • 11 ago 2025

 

Nada escapa ao quadrante”

– Anderson Teixeira

O presente texto apresenta os fundamentos da Filosofia Quadrante, desenvolvida por Anderson Teixeira, a partir da obra Ensaios Metafísicos. Trata-se de um sistema filosófico original que busca reorganizar a tradição metafísica em torno de quatro princípios centrais: Deus, Realidade, Outro e Eu.

Combinando teoria expositiva e profundidade conceitual, a proposta visa integrar diferentes correntes filosóficas em uma estrutura geométrica do pensamento, articulando reflexão sistemática com vivência pessoal. O pensamento do autor pretende ser, ao mesmo tempo, universal em seu escopo e concreto em seu método.

Ressalte-se que, por se tratar de um prefácio à uma obra de ensaios, o presente artigo não contém notas de rodapé. Portanto, à maneira de um Pascal ou Lavelle, manteve-se a fluidez e liberdade de citação que caracteriza um mero prefácio. Pois bem, o que o professor Anderson Teixeira se propõe a realizar, em seus Ensaios Metafísicos, é uma aproximação lúcida e estratégica ao grande público que ainda não teve contato com o núcleo de seu pensamento.

Trata-se de uma obra experimental — mas nem por isso superficial — que visa oferecer, em linguagem acessível, mas que não se afasta do rigor, as bases de uma filosofia sistemática, articulada a partir de sua tese fundamental: o Quadrante. Com esse instrumento conceitual, o autor desenvolve os temas centrais de sua doutrina de modo claro, direto e coerente, sem jamais perder a conexão orgânica entre a realidade e as ideias que a iluminam. Essa clareza, entretanto, não elimina a complexidade.  Ao contrário, ela a exige. E, justamente por isso, é comum que leitores aventureiros, tendo os seus primeiros contatos com a Filosofia Quadrante, experimentem uma dupla reação de espanto e incredulidade.

O estranhamento nasce do caráter inusitado do método, que propõe uma reorganização das principais tradições filosóficas e teológicas a partir de quatro princípios fundamentais que estão presentes em toda a Philosophia Perennis: Deus, Realidade, Outro e Eu. Já a descrença, por sua vez, se revela numa desconfiança permanente do brasileiro em relação aos seus conterrâneos: a dificuldade em aceitar que um professor nordestino de sociologia, nascido em um recanto da Bahia e crescido em um país esquecido pelo mundo civilizado, possa conceber um sistema filosófico de envergadura comparável à propedêutica transcendental de um Edmund Husserl ou à complexidade estrutural de um de Leonardo Polo.

No entanto, essa resistência inicial é também um indicativo de que há algo genuinamente novo em jogo, Segundo o antigo provérbio de Vauvenargues, “a clareza é a boa-fé dos filósofos”, mas essa noção não pode ser exigida, desde o início, de uma investigação pioneira, afinal, o sujeito filósofo é, por excelência, um desbravador. Ele não apenas busca a verdade nos domínios já conhecidos; ele os atravessa em direção ao inexplorado, abrindo novos territórios do pensamento. Assim, a exigência prematura de clareza pode se transformar em um tipo de censura sutil, que nega ao pensamento o tempo necessário para maturar suas formas expressivas e espontaneidade de criação. Além disso, também não se pode exigir originalidade como critério prévio de valor.

Ser original é, muitas vezes, uma consequência acidental, atribuída desde fora, por critérios variáveis e, frequentemente, injustos. Daí, o porquê do poeta Rilke dizer que “a fama nada mais é do que uma multidão de equívocos”. Ser original não é inovação do zero, mas, como dizia Mário, “a originalidade é uma nova ordem que se dá aos velhos elementos”. O método Quadrante de Anderson opera justamente nesse sentido: ele reorganiza, sintetiza e ilumina antigos fundamentos da sabedoria humana, oferecendo-lhes uma nova disposição lógica e uma nova vitalidade hermenêutica. Essa reorganização, no entanto, não é apenas conceitual, mas também metafísica, pois o filósofo desenvolve seu pensamento à medida que desenvolve sua linguagem — e vice-versa. A geometrização metafísica que Anderson emprega pode, à primeira vista, soar densa ou mesmo hermética.

Mas, para os leitores mais atentos e iniciados, essa mesma densidade é o que permite ao autor chegar a conclusões surpreendentemente simples e elucidativas — conclusões que, no entanto, exigem uma linguagem conceitual precisa, inovadora e cuidadosamente trabalhada. Pois bem, um detalhe importante que o franco-alemão Éric Weil afirma, em sua Lógica da Filosofia, é que o filósofo sempre soa como um estranho aos ouvidos das pessoas comuns, devido ao seu discurso de alta razoabilidade, que se distancia da linguagem cotidiana e põe a conversa em novos patamares de esclarecimento. Ademais, vale mencionar que Nietzsche, por sua vez, dizia que toda filosofia é, em última instância, a expressão da personalidade do filósofo. Ora, ambas as observações são pertinentes no caso de Anderson. Sua filosofia não é um exercício meramente intelectual: ela é a expressão de uma vocação profunda, daquilo que Farias Brito chamava de “a atividade permanente do espírito”.

Nesse sentido, sua obra é tanto um sistema quanto um testemunho — uma forma de pensar que expressa, simultaneamente, um modo de ser. Se é verdade que a filosofia é “a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência — e vice-versa”, então é inevitável que a vida, a obra e a linguagem do filósofo estejam entrelaçadas. Seu esforço de compreensão não se limita às ideias; ele transborda para a totalidade de sua pessoa, desde os traços mais íntimos de sua personalidade até os conceitos mais abstratos que é capaz de elaborar — e, sobretudo, pelos quais se dispõe a assumir responsabilidade. A Filosofia Quadrante é, assim, uma formulação pessoal — porque nasce da interioridade criadora de um sujeito livre e dotado de vontade —, mas também é universal, enquanto participa do movimento eterno do espírito humano em busca da verdade.

Original na forma como rearranja os elementos da tradição, ela é comum — ou melhor, “generalizada —, “na medida em que resgata e articula elementos permanentes do pensamento humano. Está em sintonia com aquilo que Ortega chamou de “mesmice” da filosofia, ou seja: aquela qualidade de permanecer sempre a mesma, ainda que se atualize em novas configurações. O projeto que Anderson se propõe a realizar é nada menos que o enquadramento filosófico de tudo o que existe. Seu método visa identificar e desvelar os princípios geométricos fundamentais que estruturam a realidade em sua totalidade — do visível ao invisível, do imediato ao eterno. Essa ambição, longe de ser megalômana, é uma exigência interna do seu próprio sistema, que só pode se realizar plenamente ao integrar, de maneira coerente, as múltiplas dimensões da experiência.

Essa exigência de integração é o que move seu esforço sistematizador. Anderson não apenas referencia diversas vertentes do pensamento — partindo de Dooyeweerd a Foucault, passando pela Tradição Reformada até os clássicos da Escolástica —, ele as articula a partir de uma metafísica que busca unidade e profundidade. E ainda que sua abordagem tenha esse viés claramente sistematizador, isso não implica um desprezo pela realidade material e imediata. Ao contrário: para filosofar com segurança, é necessário, antes de tudo, fundamentar os conceitos com precisão, sobriedade e assumir responsabilidade por eles. Como ensinavam Mário e Olavo, não há filosofia autêntica sem esse compromisso com a verdade dos princípios e com a realidade dos fatos.

É por isso que a Filosofia Quadrante pretende ser, ao mesmo tempo, a mais abrangente e a mais positiva das filosofias. Seu escopo teórico é universal, mas seu método é rigorosamente concreto. E, se é verdade que “todas as correntes filosóficas, todas as teorias científicas, tudo o que o homem faz na ordem do tempo comum, o é no quadrante” – como bem pontua Anderson –, então não há como fugir da constatação de que o pensar geométrico é o próprio modo de ser da filosofia quando ela se faz “matematizante”. De fato, como Mário Ferreira dizia: “não há outro modo de se fazer filosofia senão de maneira concreta”, e é justamente essa concretude que se manifesta na figura de Anderson: um filósofo que alia reflexão profunda a uma prática de vida voltada inteiramente à investigação. Seu esforço se assemelha ao de Mário naquilo que ambos compartilham de mais essencial: uma dedicação incansável, uma disciplina de trabalho ininterrupta e uma confiança radical na luz interior da inteligência.

Só com esse tipo de entrega é possível realizar uma empreitada filosófica sui generis de tamanha amplitude e coerência. Por fim, ao me deparar, nesse trabalho, que agora é apresentado ao grande público, com a noção de “Realidade Generalizada”, lembrei-me de uma máxima de Louis Lavelle, em suas Regras do Cotidiano, que condensar o espírito que anima os Ensaios Metafísicos de Anderson Teixeira, ao mesmo tempo em que pode servir de ponto de partida para as meditações das quais o leitor irá adentrar. Eis a expressão do filósofo francês: “Não há nenhum pensamento sério que não envolva o Todo e não se exprima por alguma ação”.

Rickson Oliveira

Rickson M. S. Oliveira nasceu em Fortaleza, no estado do Ceará. É aluno do Curso Online de Filosofia (COF) desde 2018 e dedica-se, de modo autodidata, ao estudo da Filosofia, da História, da Literatura e das Ciências Sociais e Políticas. Sua formação intelectual é profundamente influenciada por autores como Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Louis Lavelle, Xavier Zubiri, Bernard Lonergan, Edmund Husserl, Gottfried Wilhelm Leibniz, Friedrich Schelling, Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Aristóteles e Platão. Atualmente, desenvolve uma linha de pensamento própria, à qual deu o nome de “Filosofia Modal”.

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