A obra “O Brasil filosófico”, de Ricardo Timmy de Souza, que foi publicada em 2003 pela Editora Perspectiva, dentro da Coleção Khronos, é um pequeno livreto de não mais de 140 páginas contando uma leitura histórica da filosofia no Brasil, tentando entender o que aconteceu e acontece.
Primeiramente, apresentamos o autor:
“[…] nasceu em Farroupilha–RS, em 1962. Entre seus muitos interesses acadêmicos, dedicou-se especialmente à música e às ciências humanas. Doutorou-se em filosofia, em 1994, na Universidade de Freiburg, Alemanha, com tese sobre a ética da Alteridade. […] Áreas principais de interesse: filosofia e cultura do século XX, questões de fenomenologia, filosofia e literatura, temas de ética, estética e filosofia da arte, psicanálise e cultura, temas de filosofia brasileira e latino-americana, pensamento judaico, filosofia da ecologia e da natureza, temas de pós-modernidade, novas epistemologias”. [1] SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil Filosófico. São Paulo: Perspectiva, 2003, p.137-138.
Sendo assim, o livro começa numa curta, mas importante Cronologia de eventos na história da filosofia do país, seguido pelo Preâmbulo, onde o autor expõe o objetivo do livro. Chegando ao “Por Que Brasil Filosófico?”, uma espécie de prólogo geral ao livro contando os métodos utilizados, dividido em três subtópicos: “A questão”, “O horizonte geral de referência” e “A proposta”. O primeiro, mais longo, fala da dificuldade em se organizar o conhecimento filosófico da nação, muitas vezes de aceitá-lo e entender a própria cultura da nação que fica dividida, mesmo que o pesquisador tente ser o mais imparcial possível ainda ficará algo de fora — mas isso é bem-visto por ele como marca da pluralidade filosófica e cultural que, longe de se suicidar epistemologicamente numa busca cega de aceitação dum universal, acaba terminando em “axiologias privadas, detratoras de outras formas de abordagem do real e da construção filosófica” (Souza, 2003, p.17).
Porém, ele cita alguns elementos que impedem uma avaliação mais limpa, dentre eles: parcialidade histórica, recepção acrítica de modismos e partes de cultura sejam absolvidos aqui — coisa que Osman Lins já reclamava em seu Do Ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros —, entre outros. De acordo com Souza, isso também acontece com os filósofos e estudiosos da cultura, sendo cultuados lá fora, enquanto aqui são tratados com indiferença (ou espiral do silêncio), e isso gera uma certa esquizofrenia (diria Margutti) ou divórcio (nas palavras de Souza), na qual se trata mais as obras que eliminam o tratamento da cultura/filosofia nacional, apesar de sua grande produção. [2]Digo que uma das causas é a tecnofilosofia, feito diz João de Fernandes Teixeira. “A veneração pela história, sobretudo pela utilização do método estrutural, se tornou uma forma de desistir … Continue reading
Ora, esse divórcio ou esquizofrenia, apesar de começar a diminuir graças ao trabalho de pessoas feito Paulo Margutti e Lúcio Álvaro Marques [3]Divorcio que, contudo, ainda continua. Por exemplo: ainda não há análise profunda da cultura brasileira; às vezes, paramos naquilo chamado de “marxismo jabuticaba”, mais vulgar, baseado em … Continue reading, é praticado pela classe acadêmica nacional pensando ser a forma de emancipação do povo num modo quase messiânico independente de seu teste em outros lugares [4] TEIXEIRA, João de Fernandes. Filosofia Jabuticaba: colonialidade e pensamento autoritário no Brasil. São Paulo: FiloCzar, 2021, p.79-83. ou os diversos outros problemas apontados até agora. Mas, voltando a obra em questão, Souza deixa bem claro que não fez um livro neutro, mas sim que reivindica seu lugar na análise da história da filosofia no Brasil, passada e futura.
Concordo com o autor quando ele diz:
“O Brasil produz uma cultura e uma filosofia de auto nível, aferidas pela sua radical não-subserviência a modelos totalizantes e pela sua potencial efetividade para a compreensão real da vida nacional; o problema está muito mais em localizar as manifestações dessa intensidade filosófica em meio a hegemonia das exegeses que, ou derivam para posições hegemônicas altamente questionáveis, ou solicitam escusas simplesmente por existirem, em uma espécie de reprodução de um certo “complexo de inferioridade” cultural”. [5] SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil Filosófico… Op.cit., p.20.
E há alguém que dirá ser mentira? Não somos aqueles que acham que tudo que é bom é de fora enquanto se for nacional é um desastre, quer filosofia, poesia ou romances, não lemos autores brasileiros por eles serem brasileiros, mas se algum gringo elogiar alguma produção nossa, essa independentemente de sua qualidade, se tornará o novo norte cultural do nosso orgulho, mesmo que ninguém soubesse qual era essa produção antes (basta ver aquele hype que teve a obra de Machado de Assis, quando uma gringa elogiou, caso que levanta a pergunta: precisamos de aprovação estrangeira para saber que Machado é bom?). Ora, se fazemos isso com literatura, quanto mais com filosofia; quantos são os que perguntam pela “influência acadêmica” de Olavo de Carvalho, dizendo que ele não ter já é uma prova de sua inutilidade e vazio filosófico?
Mesmo sabendo que o estudo de qualquer filósofo brasileiro é algo que ainda engatinha, quantos são os que conhece a filosofia de Djair Menezes, Hilton Japiassu ou o Cirne-Lima (que foi professor da Chaui)? É mais fácil achar estudo e citações da última moda franco-alemã e/ou inglesa do que algum pensador nacional. Não é isso tudo, ironicamente, uma marca de colonialismo do pensamento, especialmente o estruturalista francês (tem razão Teixeira chamá-lo de tecnofilosofia), ainda tão abundante entre nós? Passando ao segundo subtópico, Souza utiliza a cultura, mas dá maior profundidade em outro livro dele, que serve de base para essa análise Totalidade & Desagregação — Sobre as Fronteiras do Pensamento e suas Alternativas, especialmente a nossa, mas também a importada com seus impactos, para compreender melhor o passado e pensar melhor o futuro da filosofia.
References
↑1 | SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil Filosófico. São Paulo: Perspectiva, 2003, p.137-138. |
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↑2 | Digo que uma das causas é a tecnofilosofia, feito diz João de Fernandes Teixeira. “A veneração pela história, sobretudo pela utilização do método estrutural, se tornou uma forma de desistir de pensar. Quando a interpretação dos textos clássicos se torna uma meta em si mesma, a filosofia se torna apenas uma técnica de interpretação, ou seja, se transforma em uma ‘tecnofilosofia’, uma forma emoliente de filosofar que isenta seus defensores de se confrontar com os problemas contemporâneos […]” (itálicos do autor). SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil Filosófico… Op.cit., p.61-62. |
↑3 | Divorcio que, contudo, ainda continua. Por exemplo: ainda não há análise profunda da cultura brasileira; às vezes, paramos naquilo chamado de “marxismo jabuticaba”, mais vulgar, baseado em emoções, longe de ser um marxismo mais filosófico e crítico. |
↑4 | TEIXEIRA, João de Fernandes. Filosofia Jabuticaba: colonialidade e pensamento autoritário no Brasil. São Paulo: FiloCzar, 2021, p.79-83. |
↑5 | SOUZA, Ricardo Timm de. O Brasil Filosófico… Op.cit., p.20. |