Feminismo: dois livros, duas teorias

  • Jorge Teixeira
  • 2 maio 2025

 

         Ela tem problema”.

         – Ana Campagnolo

      “Fácil é chamar de louca, difícil é chamar de burra”.

    – Débora Luciano

Em 2021, a advogada e comentadora de livros clássicos, que quase ninguém tem capacidade mental para ler, Débora Luciano, que tem um canal no YouTube chamado “Olá Bocós” (isso por influência de Sócrates), comentou um livro não-clássico, como infelizmente já o fez antes: Feminismo: perversão e subversão, da historiadora e deputada estadual Ana Campagnolo. Na live em questão [1] LUCIANO, Débora. Feminismo: perversão e subversão (Ana Campagnolo). 16 Maio. 2021, Olá Bocós. Disponível em: https://youtu.be/h1z8gRM2gR0?si=xFaZUqUXkGmlxi3N. , Débora crítica dois pontos: (a) desorganização e ausência de notas de rodapé e (b) a falta de relação entre as escritoras citadas no livro. Até aí tudo bem. Eu mesmo, aluno da Campagnolo há 4 anos, assisti à live e concordei. Nada demais.

Em 2023, o assunto voltou porque Campagnolo comentou, como de práxis: “Eu sou a única escritora do país sobre esse tema. Escrevi um livro, não um tratado. Não consegui ouvir o vídeo, mas li os comentários e gostaria de sugerir que você mesma escrevesse um livro melhor e mais completo que o meu” (grifos meus). Não assistiu, mas comentou. Não assistiu, pois estava ocupada e acredito que estivesse mesmo. Acredito também que tenha, de início, julgado Débora de burra, grande erro. Mas acabou que Débora escreveu um livro muito melhor sobre feminismo, como a própria deputada sugeriu (particularmente, gosto quando, ao invés de textos em redes sociais, as pessoas escrevem livros e ensaios).

Então, quando eu soube, comecei a assistir às aulas que antecederam ao livro (a decisão da Débora de realizar aulas para divulgar o livro, foi, a meu ver, inteligente), e percebi que o livro da Campagnolo estava errado, quer dizer, a deputada havia dado uma definição errada ao feminismo. Até aí, nada demais. Quando cheguei na aula da Débora sobre a Virgem Maria, percebi que o livro da Ana estava certo em aspectos acidentais, enquanto o livro da Débora estava certo essencialmente. Não há mais nada para se debater sobre isso. Toda a polêmica já está dada antes mesmo do livro da Débora, que se chama “Autópsia do feminismo” (livro que, embora tenha um título polêmico, é sério), ser lançado. Estratégia, diria eu, que deu certo. O feminismo morreu e outra coisa muito pior está por vir.

A alusão a Nietzsche, é clara. A objeção de Campagnolo, “O feminismo ou a mulher feminista morreu?”, de nada adianta, pois (a) a mulher feminista é mulher e a mulher ainda vive e (b) a própria tem um curso chamado “Clube antifeminista” justamente porque, diz ela, não existe feminismo, só mulheres feministas. O feminismo, diz Débora, é um movimento espiritual que se utiliza da dor histérica (a dor que vem do útero). Tão logo nomeado, começou a morrer. Então, o que Campagnolo diz ser a causa e finalidade do feminismo (revolução sexual) é, na verdade, uma tentativa desesperada de ressuscitar um cadáver, enquanto é criada uma nova aberração. O caráter ontológico da mulher morreu com Judith Butler e, por isso, as condições que sustentaram o feminismo também se foram. Mas, primeiro, é necessário entender quem morreu e quem nasceu.

 

 

1§ SÍNTESE DO PERVERSÃO E SUBVERSÃO


O livro da Ana Campagnolo tem uma missão: convencer o leitor de que o feminismo é fruto da revolução sexual, e que, por isso, acaba criando mais revolução sexual: “Estou convicta, e quero convencer o meu leitor de uma verdade apenas: o feminismo é um movimento político que contribui para o desentendimento e a crescente amargura entre os sexos, acelera a desagregação familiar, induz à eterna insatisfação e à libertinagem sexual”. [2] CAMPAGNOLO, Ana Caroline. Feminismo: perversão e subversão. Campinas: Vide Editorial, 2019, p.33.

Esta ideia não veio de Mary Wollstonecraft, mas de Kate Millett, e parece que aquela foi analisada à luz desta, pois Mary aparece como a protofeminista que, por defender a escola mista, por exemplo, carrega consigo a semente da revolução sexual e do marxismo. Isto porque, no futuro, tal escola foi usada por esse objetivo tanto por Alexandra Kollontai, quanto pelos ideólogos de gênero. Porém, infelizmente, não há ligações para comprovar essa influência direta de Mary. [3]Não que Campagnolo tenha juntado fontes para reforçar uma ideia que ela já tinha antes de escrever o livro, já que seria impossível alguém ter uma tese antes de ler os autores, mas esta … Continue reading O fato da Campagnolo ter visto a protofeminista como cristianíssima — sem anacronismo — só pode ser entendido melhor lendo o livro da Débora. É como se ela entendesse Campagnolo e a explicasse para ela mesma.

O segundo tópico notável do livro de Campagnolo é uma tentativa de comparar o que Mary escrevia com o que Mary fazia. Desnecessário, pois ações contingentes não desmentem premissas moralmente universais. O que o livro encontra em comum entre Mary e as feministas atuais é a escolarização universal. Mas, neste caso, o problema se resolve atentando-se na diferença entre o iluminismo britânico e o francês. No livro de Débora, toda a argumentação de que Mary se utiliza, as mulheres como frágeis, dondocas e fúteis, ganha uma visão bem mais abrangente. O fato de Campagnolo ter se esforçado para explicar que a educação mista não afeta a natureza do garoto e da garota é de muito bom uso como uma grande biografia histórica, mas acaba não encontrando um fio metafísico para o próprio feminismo.

Digo, o que Ana escreveu quanto à escola e à natureza masculina e feminina está totalmente correto, mas não explica o que é o feminismo como substância. Como o livro de Campagnolo tem por necessidade e missão demonstrar que há, em cada escritora, uma semente ou uma árvore da revolução sexual, a obra entrelaça, a todo momento, a educação com a ideologia de gênero, no que tange a tese de que a educação pode mudar a natureza. O problema é que, se faço uma abstração somente deste fenômeno, tenho uma excelente tese a ser estudada, mas, tão logo a considere como um todo, ela atropela a explicação metafísica do feminismo. Logo após o capítulo da contestação, aparece Margaret Sanger, autora que eu próprio já julguei errado.

O livro se escandaliza com a sinceridade da enfermeira em defender a morte de bebês, assim como a morte de negros, pobres e deficientes. Para criticar Sanger, Ana usa os próprios textos da autora, como se a enfermeira e as feministas se importassem em matar bebês. Não, elas não se importam e toda tentativa de tentar provar que o feto é uma vida será irrelevante, pois a feminista (e isso é uma tese minha) é uma inversão da Mater Dolorosa que, para existir, precisa matar. E o que explica a vontade de matar é a ausência de culpa, potência próxima do gnosticismo.  

 

***

Betty Friedan era uma mulher que reclamava, para o mundo e além, que as mulheres têm um vazio existencial, uma dor por assim dizer. Novamente, Campagnolo não enxergou a pista feminista. Enxergou isso como uma tautologia, já que todo homem, mulher, criança e idoso também o tem. Todos os seres humanos sofrem e, portanto, alegar vazio e alegar nada é a mesma coisa. Dizer, portanto, que a mulher está reclamando de barriga cheia é exacerbar a dor, ao invés de diminuí-la, pois mesmo o homem mais rico e ocioso, ainda sofre. Às vezes, sofre muito e, ao descobrir que não tem motivos para sofrer, sofre ainda mais. Dessa forma, pode-se dizer que somente a obra “Autópsia do Feminismo” responde ao porquê dessa dor.

Como acertou por acidente, Campagnolo escreveu a verdadeira tese sobre o feminismo num dado momento do livro, mas não conseguiu encaixá-la no contexto essencialmente correto: “Dentro de um projeto, muito maior que o movimento de mulheres revolucionárias – a respeito do qual até se poderia dizer que o lugar do feminismo desempenha um papel temporário, à beira da obsolescência-, pode-se apontar um alvo principal: a cultura ocidental”. [4] CAMPAGNOLO, Ana Caroline. Feminismo… Op.cit., p.298. Como não foi delimitado o que é o feminismo — e por isso, a autora acredita que ele possa se reinventar tanto —, não se percebeu sua morte. Seu assassinato foi diluído na própria teoria feminista como marketing.

A morte da mulher, ao invés de encerrar o feminismo, é, na verdade, o próprio feminismo se refazendo, e é este o ponto a partir do qual Judith Butler foi contextualizada dentro da teoria do sujeito fluído, o qual é a substância que sustenta o Perversão e Subversão.  

 

 

2§ SÍNTESE DA AUTÓPSIA DO FEMINISMO


O feminismo aparece como um acidente do Gnosticismo, em cuja manifestação estão todos os sintomas da Metafísica da Revolta. O gnosticismo baseia-se na terrestrialização da concepção transcendente, ou: uma tentativa de realizar, na Terra, tudo aquilo que o Cristianismo julgou possível no Paraíso. A esta ideia, Eric Voegelin deu o nome de re-divinização. [5] VOEGELIN, Eric. The new science of politics. 74. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1987, p.107. Assim, o livro de Débora fornece, já de início, uma definição metafísica. O feminismo é uma manifestação da mulher revoltada (revolta que é, simultaneamente, racional e irracional).

É racional, pois o homem tem direito a se revoltar, a buscar o seu direito, mas se torna irracional quando se duvida do Deus bom, já que, quando fez o mundo, Deus fez cada ente com uma individualidade e com uma liberdade própria; disso, conclui-se, inapelavelmente, a ausência de perfeição neles, pois tê-la seria diluí-los no próprio Deus, tornando-os predicado dEste. Sendo assim, a imperfeição reflete a proporcionalidade necessária do Criador para o mundo criado, de modo que a imperfeição pode fazer doer o coração do homem (racional), mas não à sua razão (irracional).

Tanto o homem quanto a mulher sofrem, mas o feminismo se utiliza do próprio sofrimento feminino, que é, pois, a causa eficiente que abarca e subordina todo o movimento, desde a geração, até a sua corrupção.  A tese do livro de Débora é, portanto, a de que o Feminismo é uma inversão da Mater Dolorosa: uma tentativa de imanentizar a Virgem Maria através da Eva Reformada. Se foi Eva quem trouxe o Demônio ao mundo ao comer o fruto proibido, foi a Virgem Maria aquela que trouxe o salvador (Jesus Cristo), ressarcindo, assim, a culpa. 

 

                                 No Retrato, a Virgem Maria pisa na serpente.

 

É a mulher, portanto, que salvará o mundo. Como Maria trouxe o Salvador dando à luz, a feminista salvará o mundo tirando vidas. Então, Débora reinterpreta Margaret Sanger (1879-1966) dizendo que o status ontológico do bebê no ventre da mãe, seja ele potência ou já em ato, independe para seu assassinato, pois a feminista já tem, em si, a vontade de matar. Se não a tem na prática, já o tem em espírito. E essa vontade de matar se traduz em compaixão, em amor ao próximo, em salvação ante o mundo cruel e perdido.

 

                           ***

O próximo ponto do livro de Débora, já que ela vai e volta na explicação das autoras, é explicar o que é natureza, no sentido aristotélico da gênese das coisas que crescem[6] ARISTÓTELES. Metafísica, 1014b20. , isto é., uma estrutura que explica o movimento primordial da coisa e que dá sentido às suas ações e paixões. Então, quando percebe o problema sem nome, Friedan já o percebe como uma negação, e não como uma condição necessária (afirmação) à natureza e à existência da mulher, ou de qualquer ser humano que nasce e morre. Essa condição chama-se contingência, que é aquilo que pode ser, e que pode não ser; um duplo poder. Ela é uma modalidade negativa (-) da necessidade (+).

E a contingência é a causa do sofrimento, justamente porque o homem é ontologicamente imperfeito. E é neste ponto que o homem se diferencia tanto dos Anjos quanto dos Demônios: estes não podem sentir coragem ou melhorar nada, enquanto o homem pode. A contingência leva, pois, à coragem, à glória e, às vezes, à revolta: “O revoltado, no sentido etimológico, é alguém que se rebela. Caminhava sob o chicote do senhor, agora o enfrenta. Contrapõe o que é preferível ao que não o é. Nem todo valor acarreta a revolta, mas todo movimento de revolta invoca tacitamente um valor”. [7] CAMUS, Albert. O homem revoltado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2017, p.26.

Quando Camus diz que “o revoltado quer ser tudo[8] CAMUS, Albert. O homem revoltado… Op.cit., p.27. , isso encontra vestígios na filosofia de Spinoza, que afirma “omnis determinatio est negatio”, ou seja, toda determinação é negação e o revoltado não nega, mas afirma e, para tal, precisa ser indeterminado, precisa se livrar, tem que ser o oposto da negação, tem que ser tudo. Ou, quando não consegue ser Tudo, deseja ser o Nada, pois no Nada, nada é determinado. Então, o revoltado contesta contra sua própria qualidade de homem: essa é a revolta metafísica. Por isso: “A revolta metafísica é o movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra a criação. Ela é metafísica porque contesta os fins do homem e da criação. O escravo protesta contra sua condição no interior de seu estado de escravidão; o revoltado metafísico, contra sua condição na qualidade de homem”. [9] CAMUS, Albert. O homem revoltado… Op.cit., p.39.

A contradição do homem nada mais é do que esse caráter ambíguo da revolta — racional e irracional —, justo e injusto, certo e errado. Mas, como diz São Tomás de Aquino, na Suma Contra os Gentios, um ato só pode ser dito bom caso seu efeito também o seja, e não somente sua causa aparentemente justa, como o escravo contra seu senhor ou a mulher contra sua dor histérica. Em vista disso, Olavo de Carvalho apontava que:

A revolta contra a injustiça não é a expressão, mas a inversão exata do anseio bíblico de justiça. Este se esmera em abster-se de cometer injustiça, mesmo ao preço de sofrê-las. Aquele busca esquivar-se de sofrê-las, mesmo ao preço de cometê-las ainda piores e em maior número. Só na mente deformada de um Frei Betto esses dois sentimentos opostos e inconciliáveis podem parecer um só. A revolta contra a injustiça é o mais baixo sentimento moral humano. Por isso mesmo, ela é o mais fácil de incutir nas massas para as mobilizar politicamente, e é normal que partidos e líderes façam dela, em seu proveito próprio, o mandamento primeiro ou único da moralidade pública, o critério e o emblema que distinguem os bons dos maus. Quando isso acontece, a consciência moral do povo está no seu ponto mais baixo. Todos se sentem lesados e injustiçados, todos se inflam de revolta, todos discursam, vociferam, acusam — e todos, cada vez mais, eximem-se de julgar seus próprios atos. A indignação sobe contra a moralidade que baixa, sem reparar que ela baixa, justamente, sob o peso dos insultos que recebe da revolta insana”. [10] CARVALHO, Olavo de. A injustiça revoltada. O Globo, 10 Maio. 2003. Disponível em: https://olavodecarvalho.org/a-injustica-revoltada/.

Então, como a natureza do homem é contingente e a contingência é necessária, revoltar-se torna-se desnecessário ou desesperador, exceto através daquilo que pode excluir a natureza imperfeita e temporal do homem: o suicídio ou a revolução transcendente, pois o sofrimento, como mera potência de existir, já é suficiente para o assombro (e esta segunda só pode ser operada através de magia). A dor histérica não é colocada como um acidente histórico, mas como uma condição global. Esta é a primeira base metafísica do livro de Débora, enquanto que a segunda é referente à Eva e a inocência da mulher.

***

Inicialmente, o homem, no estado primitivo, podia enganar-se, pois do impossível não se segue o possível. Adão e Eva, no Éden, tinham plena noção das propriedades que já aconteciam em ato, e não da validade e veracidade dos contingentes futuros. Então, ambos viam o futuro como possível e não como falso, por exemplo, e Eva viu a promessa da Serpente como possível. Eva já tinha o conhecimento do que era o bem e o mal — o de que tudo é lícito, exceto comer do fruto proibido —, mas a Serpente estava se referindo ao conhecimento divino e, como Deus não é objeto, este conhecimento se traduz em poder criador, no sentido de determinar o que é o bem e o que é o mal.

Por ter se identificado com a natureza de Eva, a Serpente foi até ela: A mulher não teria acreditado nas palavras da serpente, se já não lhe existisse na mente o amor do próprio poder e uma certa soberba presunção de si”. [11] AQUINO, Tomás de. Suma Contra os Gentios, q.95, a.4. A Eva Reformada aparece durante a querelles de femmes com a calvinista Rachel Speght e a construção da femme fragile. Eva, a mulher frágil, é a nova essência feminina. A partir daí, há uma necessidade desesperada da mulher ser pura, sem adornos, boa e bela. O adorno passou a ter status religioso: a mulher adornada transpirava sedução, soberba e vaidade. A Eva Reformada, porém, é inocente. O feminismo passa, então, a atuar na esfera Whig: iluminismo, e o movimento passa a se amigar ao que se chamou de “contrato social”, criando, pois, consequências políticas, como, por exemplo, as mudanças no comportamento civil da mulher (que passa, a partir de então, a ser uma agente política da moralidade e da estabilidade social).

A revolução, portanto, se retrai: não há nada de revolucionário em conceder direitos civis às mulheres, pois tais direitos são uma consequência desta nova filosofia. E só aí, podemos discutir “Reivindicação dos Direitos das Mulheres”, de Mary Wollstonecraft, e é neste sentido que ela pode ser contextualizada não como uma mulher à frente do seu tempo, mas como uma mulher que já vinha absorvendo ideias circulantes há, no mínimo, cem anos. Com o contrato social, não só a natureza aristotélica diluiu-se, mas também o próprio conceito de bem e de mal: “Hobbes foi o primeiro pensador moderno a sistematicamente atacar a noção de que há qualquer ordem natural, moral. Ele argumentou que as palavras “bom” e “mal” são apenas descrições do que gostamos ou não”. [12] WIKER, Benjamin. Dez livros que todo conservador dele ler: mais quatro imperdíveis e um impostor. Campinas: Vide Editorial, 2016, p.75.

O posicionamento de Débora, portanto, não é nominalista, mas realista. Seu livro, de fato, defende uma natureza in re, não poupando esforços para demonstrar e explicar, ao invés de criticar, a metafísica feminista, coisa que não vemos no livro de Ana Campagnolo. 

 

 

3§ COMPARAÇÃO


Evidentemente, o livro da deputada é panfletário, enquanto o da Débora é meta-histórico. Não há nem o que comparar, pois não são espécies do mesmo gênero. É como confundir um gato com um cachorro, argumentando que ambos bebem água:

O que aflige vossos corações não é o método, mas a panfletagem. Pois é o panfleto, essa criatura astuta e traiçoeira, se infiltra nesse debate se aproveitando das sombras projetadas. O panfleto não deseja meramente expor argumentos ou explorar uma questão sob múltiplas facetas; ele quer persuadir, converter, incendiar. Ele não se contenta em esclarecer; quer sacudir os mornos e insuflar os já convencidos. À imparcialidade meticulosa de uma busca filosófica, ele contrapõe a veemência de um chamado às armas. Não raro, a retórica toma o lugar da dialética, e a indignação se sobrepõe à serenidade da análise. Nas sombras, o panfleto geralmente se traveste de “acadêmico”, e não de “ensaísta”, pois é mais fácil enganar os pobres coitados imitando o método científico do que a prosa divinamente inspirada. Ele não sabe o que é revisão de literatura, bibliografia, fontes, referências ou hipótese central. Não sabe usar um banco de dados ou desenvolver uma tese. Mas usando este pronome e seus jargões, o panfleto espalha que está fazendo uma análise, enquanto na verdade é um mero instrumento de persuasão ideológica”. [13]LUCIANO, Débora. Respeita a ôtoridade (ou relatos de para quê serve uma citação). Substack, 12 Mar. 2025. Disponível em: … Continue reading

I – Contra argumentos:

(a) Primeiro, a deputada diz que Débora é burra quando diz que o feminismo morreu. Depois, diz que Débora está copiando seus melhores argumentos. Então, das duas uma: ou Débora é burra, ou burra é a deputada;

(b) Se Débora está copiando os melhores argumentos que outrora eram burros, então, além de burra , a deputada se torna contraditória;

(c) A deputada não pode afirmar se o feminismo morreu ou não, pois nem sequer descobriu quem ele é;

(d) Ataques pessoais, neste caso, são totalmente indiferentes à tese do livro e ao seu potencial efeito no Brasil;

(e) Se existem antifeministas que estudam o assunto há 15 anos e nunca escrevem nada e Débora, depois de dois anos, escreve este livro, é por conta de uma competência muito grande e não o contrário. 

 

 

4§ CONCLUSÃO


O livro “Autópsia do feminismo” está em um nível de erudição muito maior do que qualquer livro feminista ou antifeminista já escrito no Brasil. Acredito que o próprio Olavo de Carvalho gravaria uma aula do Curso Online de Filosofia (COF) só para falar da obra. De acordo com a tese central de Débora, o feminismo seria um acidente histérico da substância, que é o gnosticismo, cuja revolta é a causa formal, gerada pelo sofrimento, causa eficiente. As mulheres entram, então, no movimento não para ganhar direitos, causa material, mas para salvar o mundo, causa final, pois a mulher é essencialmente boa, e nunca foi bruxa.

 

References

References
1 LUCIANO, Débora. Feminismo: perversão e subversão (Ana Campagnolo). 16 Maio. 2021, Olá Bocós. Disponível em: https://youtu.be/h1z8gRM2gR0?si=xFaZUqUXkGmlxi3N.
2 CAMPAGNOLO, Ana Caroline. Feminismo: perversão e subversão. Campinas: Vide Editorial, 2019, p.33.
3 Não que Campagnolo tenha juntado fontes para reforçar uma ideia que ela já tinha antes de escrever o livro, já que seria impossível alguém ter uma tese antes de ler os autores, mas esta interpretação se torna peculiar, pois Mary pode ser entendida em um contexto histórico totalmente diferente daquele apresentado no livro.
4 CAMPAGNOLO, Ana Caroline. Feminismo… Op.cit., p.298.
5 VOEGELIN, Eric. The new science of politics. 74. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1987, p.107.
6 ARISTÓTELES. Metafísica, 1014b20.
7 CAMUS, Albert. O homem revoltado. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2017, p.26.
8 CAMUS, Albert. O homem revoltado… Op.cit., p.27.
9 CAMUS, Albert. O homem revoltado… Op.cit., p.39.
10 CARVALHO, Olavo de. A injustiça revoltada. O Globo, 10 Maio. 2003. Disponível em: https://olavodecarvalho.org/a-injustica-revoltada/.
11 AQUINO, Tomás de. Suma Contra os Gentios, q.95, a.4.
12 WIKER, Benjamin. Dez livros que todo conservador dele ler: mais quatro imperdíveis e um impostor. Campinas: Vide Editorial, 2016, p.75.
13 LUCIANO, Débora. Respeita a ôtoridade (ou relatos de para quê serve uma citação). Substack, 12 Mar. 2025. Disponível em: https://satanicfeminism.substack.com/p/respeita-a-otoridade?utm_source=share&utm_medium=android&r=55p2m7&triedRedirect=true.
Jorge Teixeira

Jorge Teixeira nasceu em Guaratinguetá, SP, mora em Campinas. É aluno do COF desde 2020. Em setembro de 2021, tornou-se aluno da deputada estadual Ana Campagnolo. Protestante, nutre gosto por história e filosofia.

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