Os 90 anos de Arvo Pärt, um ensaio

  • Walber Ribeiro Jr
  • 11 set 2025

Nem todo 11 de setembro é tragédia. Nesse mesmo dia, em 1935, nascia Arvo Pärt, em Paide, na Estônia. Um dos poucos compositores cuja obra transformou radicalmente nossa escuta da música. Em 1976, Pärt criou o “tintinnabuli” — termo latino que remete a pequenos sinos —, linguagem minimalista de repetições hipnóticas, simples na aparência, mas profundamente espiritual. Sem discípulos declarados ou escola formal, sua música, ainda assim, moldou a paisagem sonora contemporânea. Sendo assim, Pärt será o tema deste breve estudo introdutório-biográfico, levado a cabo com o fito de homenageá-lo em seus 90 anos de idade. 

 

1§ A terra natal do compositor: breve excurso


Antes de adentrarmos na vida e obra de Arvo Pärt, faremos uma breve nota acerca de seu meio social: onde nasceu, viveu e deu seus primeiros passos, enquanto não só compositor, mas enquanto ser humano.

1.1 A Estônia

A Estônia (ou Estónia, na variante do português europeu), oficialmente denominada República da Estônia (Eesti Vabariik, em estoniano), é um país situado no norte da Europa e compõe, juntamente com Letônia e Lituânia, o grupo dos chamados Países Bálticos. Seu território é constituído por uma porção continental e por um extenso arquipélago localizado no mar Báltico. Limita-se ao norte com o golfo da Finlândia, que a separa da Finlândia; a leste, com a Rússia; ao sul, com a Letônia; e a oeste, com o mar Báltico, que a separa da Suécia. Com uma área de aproximadamente 45 mil quilômetros quadrados, a Estônia possuía, no ano 2000, uma população estimada em 1.376.743 habitantes.

O país é membro da União Europeia desde 1º de maio de 2004 e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 29 de março do mesmo ano. A língua estoniana pertence ao ramo fino-úgrico das línguas urálicas, sendo linguisticamente próxima ao finlandês e, em grau mais distante, ao húngaro — as únicas três línguas desse grupo a possuírem status de língua oficial em países-membros da União Europeia, ao lado do maltês, que também não possui origem indo-europeia. Etnicamente, os estonianos são um povo fínico, com estreita ligação histórica e cultural com os finlandeses e os lapões. O nome “Estônia” deriva do latim medieval Estonia, cuja origem remonta, muito provavelmente, à obra Germânia (ca. 98 d.C.), do historiador romano Tácito.

Neste texto, Tácito refere-se aos habitantes da região correspondente à atual Estônia como Aestii, descritos como um povo bárbaro distinto dos demais povos germânicos da região. Registros nas antigas sagas escandinavas também mencionam a região sob o nome de Eistland, enquanto fontes ainda mais antigas apresentam variações como Estia e Hestia para descrever essas terras. Contudo, a autodenominação Eesti, adotada pelos próprios estonianos, só passou a ser utilizada no decorrer do século XIX, no contexto do fortalecimento da identidade cultural nacional, e significa literalmente “habitantes das terras do leste”. Ao longo de sua história, a Estônia foi ocupada por diferentes potências estrangeiras, incluindo Rússia, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Alemanha, cuja influência ainda pode ser observada em diversos aspectos da cultura estoniana contemporânea.

A concepção moderna de Estado-nação, entretanto, emergiu apenas na segunda metade do século XIX, impulsionada por um significativo florescimento cultural e pelo crescimento das populações urbanas em decorrência da industrialização. Esses fatores contribuíram para o fortalecimento de uma consciência nacional entre os povos de origem comum, culminando na constituição de um Estado autônomo, cuja fundação foi consolidada com a promulgação da Constituição de 1917.

1.1.1 Nota histórica

Os primeiros habitantes da Estônia foram os éstios, povos de origem fínica que viviam em tribos. No século XIII, a Igreja Católica e o rei da Dinamarca organizaram cruzadas para converter esses povos ao cristianismo. Com isso, o território foi dividido entre a Dinamarca (ao norte) e a Ordem dos Livônios (ao sul), uma organização militar religiosa que dominou a região. Em 1248, a cidade de Reval (atual Tallinn) ganhou autonomia e entrou na Liga Hanseática, uma rede de comércio do norte-europeu. No século XIV, os estonianos, cansados da dominação e da servidão, tentaram se rebelar na chamada Revolta da Noite de São Jorge, mas foram derrotados. A Dinamarca vendeu o território para a Ordem Teutônica, marcando um novo período de domínio estrangeiro.Mais tarde, no século XVI, a região voltou a ser disputada. O Império Russo, aproveitando o enfraquecimento dos teutônicos, invadiu a Livônia (região que inclui parte da Estônia).

Suécia, Dinamarca e Polônia se uniram para impedir o avanço russo. Após várias guerras, a Suécia saiu vitoriosa e passou a controlar a Estônia. O domínio sueco, iniciado no século XVII, foi considerado o mais benéfico pelos estonianos. Nesse período, surgiram as primeiras escolas e a primeira universidade do país, em Tartu, fundada pelo rei sueco Gustavo II Adolfo. Também houve forte influência da cultura alemã com a chegada de professores vindos da Alemanha. A derrota da Suécia na Grande Guerra do Norte (1700–1721), especialmente após a Batalha de Poltava, possibilitou à Rússia a conquista de Tallinn e o domínio sobre a Estônia e a Livônia, concretizando uma ambição presente desde os tempos do czar Ivã IV.  Já no século XVIII, a criação de universidades na Estônia fomentou o desenvolvimento cultural local, impulsionando o uso do idioma estoniano e a valorização da identidade nacional.

Foi nesse contexto que emergiu a noção dos estonianos como um povo distinto, com intelectuais engajados na construção de um projeto nacional. A insatisfação com o domínio russo culminou na participação estoniana na Revolução Russa de 1905, duramente reprimida. No entanto, esse episódio marcou o primeiro movimento efetivo rumo à independência, que se concretizaria após a Revolução Russa de 1917, com a proclamação da República da Estônia. A bandeira nacional — azul, preta e branca — simboliza, respectivamente, a fé e os recursos naturais (céu e lagos), o passado sombrio e as florestas, e a pureza, a neve e a luz. Durante os anos de independência (1918–1940), a Estônia enfrentou instabilidade política, embora tenha promovido avanços significativos na área cultural, como o ensino em estoniano e a autonomia cultural das minorias — algo inédito no Leste Europeu.

A neutralidade estoniana, no entanto, não impediu sua ocupação durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, a União Soviética anexou o país; em 1941, foi a vez da Alemanha Nazista invadir o território.Inicialmente bem-vinda por parte da população, a ocupação alemã rapidamente revelou-se hostil aos ideais de independência. A derrota alemã levou à nova ocupação soviética e à criação da República Socialista Soviética da Estônia. Durante os 52 anos de regime soviético, surgiram movimentos de resistência como o Metsavennad, todos duramente reprimidos por Moscou. Com a crise e a subsequente dissolução da União Soviética, iniciou-se a reestruturação política da Estônia. A independência foi restaurada em 1992, sendo Lennart Meri eleito primeiro presidente do novo período. Após a retirada das tropas russas em 1994, o país fortaleceu suas relações econômicas com o Leste Europeu, obtendo rápido crescimento econômico. Em 2004, a Estônia aderiu tanto à OTAN (29 de março) quanto à União Europeia (1º de maio).

1.1.2 A música estoniana, uma nota

As primeiras manifestações musicais conhecidas na Estônia parecem ter se originado nas canções tradicionais, conhecidas como runo, que derivavam de baladas épicas e canções de trabalho transmitidas oralmente ao longo dos séculos. O estudo e a preservação dessas canções impulsionaram o surgimento de diversas expressões folclóricas em todo o território estoniano. No entanto, tais manifestações foram duramente reprimidas durante os períodos de dominação russa, o que comprometeu sua difusão e continuidade. Paradoxalmente, na década de 1960, a União Soviética passou a incentivar o fortalecimento das tradições folclóricas locais em suas repúblicas federadas, como forma de promover uma identidade cultural controlada pelo regime. Nesse contexto, surgiram importantes grupos corais como “Värka” e “Leiko”, que desempenharam papel relevante na revitalização da música popular estoniana.

Em 1967, foi lançado o primeiro disco de longa duração (LP) dedicado à música tradicional do país, intitulado “Eesti rahvalaule ja pillilugusid” (Canções populares e peças instrumentais estonianas), marco significativo no registro e na divulgação do patrimônio musical nacional. Além da rica tradição popular, a Estônia destacou-se também na música erudita, tendo produzido compositores de renome internacional que contribuíram para consolidar a reputação do país no cenário da música clássica. Entre os principais nomes figuram Artur Kapp (1878–1952), Lepo Sumera (1950–2000), Eduard Tubin (1905–1982), Veljo Tormis (1930–2017) e o próprio Arvo Pärt (1935–), sendo este último especialmente reconhecido por sua originalidade estética e projeção mundial.

Na contemporaneidade, o panorama musical estoniano é marcado por uma diversidade de estilos e gêneros, com destaque para bandas de rock e metal, como “Vanilla Ninja” e “Metsatöll”, além de grupos que dialogam com a tradição folclórica, como “Laudaukse Kääksutajad”. No campo da música popular, sobressai a cantora “Kerli”, cuja carreira internacional reforça a presença da música estoniana na cena global.

1.2  A cidade de Paide: seu berço

Situada no centro geográfico da Estônia, a cidade de Paide destaca-se por seu valor histórico e por sua paisagem natural, sendo frequentemente referida como a “Pérola de Järvamaa”. Com origens que remontam ao século XIII, Paide preserva um notável patrimônio cultural, refletido em sua arquitetura histórica e em seus monumentos emblemáticos. Um dos marcos mais representativos da cidade é o Castelo de Paide, fortificação medieval que oferece ampla vista da paisagem circundante. A torre do castelo foi adaptada para funcionar como museu, proporcionando ao visitante uma imersão na trajetória histórica da localidade.

No âmbito da ecologia e vida silvestre, a Reserva Natural de Endla, situada nas proximidades, constitui um espaço privilegiado para a observação da flora e fauna típicas da Estônia, reafirmando o vínculo da região com a preservação ambiental. O centro urbano de Paide, por sua vez, é caracterizado por um conjunto de cafés e lojas que compõem um ambiente acolhedor, ideal para caminhadas e experiências gastronômicas locais. Outro ponto de interesse é a Igreja de Paide, cuja fachada imponente e interior cuidadosamente ornamentado a consolidam como importante referência arquitetônica e espiritual da cidade. Ademais, Paide abriga ao longo do ano diversos eventos culturais, entre os quais se destaca o tradicional “Paide Medieval Days”. Esta celebração remete o público ao período medieval por meio de encenações históricas, demonstrações de ofícios tradicionais e apresentações artísticas, reafirmando o compromisso da cidade com a valorização de sua memória e identidade cultural.

 

2§ Vida de Arvo Part


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Walber Ribeiro Jr

Natural de Fortaleza, é bacharel em Finanças pela Federal do Ceará e discípulo de Olavo de Carvalho desde 2017. Dedica-se, sobretudo, ao estudo da filosofia carvalhiana, da literatura e da economia, atualmente navega pela história das letras e das artes em busca de seu próprio estilo ensaístico. Sofre e assume as mais díspares influências: Carvalho, […]

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