A contemplação do homem tem o seu início quando a consciência, ao comparar as coisas distintas que a cerca, valora, implicitamente, valores aos quais devem ser reconhecidos por todos obrigatoriamente. Quando desafiamos esse atual estado, visando compreender a sua justificação, tornamos nosso aquilo que era externo – não como algo dado pela natureza ou a sociedade, nem tão pouco como uma revelação que vem de cima. Quando realizamos esse processo, a nossa mente torna-se livre, pois a descoberta é a manifestação de um ato que ocorre sem os empecilhos aos quais nos são postos como supostos fundamentos de algo.
Tomamos, então, o fator pela preferência. Esta, que consideramos muitas vezes como sendo algo que possui a gênese psicológica, ao contrário do que se julga comumente , possui suas raízes fincadas na metafísica. Todas as preferências particulares tem o pressuposto de que são escolhas, onde há a prioridade do ser sobre o nada – havendo , dessa forma, a possibilidade de desenvolvimento. Isso se justifica em todas as questões nas quais envolvem a preferência entre oposições – das quais podem ser afirmativas ou negativas, entre as que têm a sua forma de consentimento e a sua forma de recusa.
Os símbolos foram criados como modo pelo qual temos acesso a dimensões superiores e inferiores da existência. Sem a sua mediação, o acesso dos homens para entendimentos que os superam ficaria impossibilitado. Produzidos em épocas imemoriais, eles são acessíveis a pessoas de todas as civilizações – em realidades tangíveis com propensão abstrata; nascem da singularização dos processos criativos e, assim, tornam-se representações. A palavra symbolon tem a sua origem etimológica na palavra grega symbolê. [1] FERREIRA DOS SANTOS, Mário. Tratado de Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2016
Este, no que lhe concerne, significa ajustamento, encaixamento, ajustamento. Na Grécia antiga, quando uma pessoa de bens recebia hóspedes em sua casa, e nutria por este alguma afeição, dava-lhe algo como sinal da prova da amizade entre ambos – como sinal daquele relacionamento. Após uma longa separação, muitos se reconheciam carregando ou mostrando sinais familiares. Assim nasceu a palavra que genericamente os gregos usavam: sinais convencionados receberam o nome de símbolos. Todo símbolo é algo que se apresenta referenciando outro. [2] Sobre símbolos, e os possíveis usos que os sinais podem ter, ver: https://jornalcidadaniapopular.com.br/uma-introducao-a-semiotica-parte-i
A sociedade humana é um cosmion, um todo ordenado, no qual possui as suas próprias regras e conversões simbólicas – um conjunto global de significados que podem ser entendidos apenas quando considerados na iluminação interior ao qual servem. Estes símbolos são formulados como verdades, portanto: o modo como as sociedades interpretam a si e a outros que possivelmente tenham contato. Entender corretamente os símbolos dados por uma dada sociedade é compreender como a Presença do Ser é interpretada por aquele cosmion – a imitação de como a sociedade constata a ordem do cosmos. [3] J MCPARTLAND , Thomas. Lonergan and the Philosophy of Historical Existence. Missouri: University of Missouri Press, 2001
O cosmos é a misteriosa ordem cósmico-divina, cujo pulso é o movimento – como nas primeiras civilizações – dos corpos celestes e o ritmo dos ciclos da vegetação. Então, a sociedade é civilizada, significativa e legítima, unicamente devido a sua integração no mundo na ordem cósmica maior e permanente – geralmente pela mediação da realeza. O modo como, através das leis eternas, o cosmos interpreta o todo que o cerca, moldará essa concepção de como se será ordenado. O mito simbólico é bastante significativo nesse sentido, já que ele nos oferece diversas questões das quais não são tratadas diretamente, mas através do uso de referentes – que nos guiam a algo ao qual é valoroso e maior. [4] HUGHES, Glenn. Transcendence and History: The Search for Ultimacy from Ancient Societies to Postmodernity. 1. ed. Missouri: University of Missouri Press, 2001
Isso se deve, pois as coisas são finitas, embora haja sempre nelas o apontamento para uma Unidade Transcendente – um perfeito bem que é óbvio para qualquer mente que tenha capacidade de apreensão: todos os bens finitos deste mundo são incapazes de aplacar as chamas da nossa eterna vontade de algo infinito. Somente, portanto, a participação do homem em uma dimensão de significado – que não se limita a unidade do sujeito psicológico -, algo pelo qual se ligue a uma significação transcendente, pode ser uma justificativa para as metanarrativas criadas sobre a humanidade. [5] Op,cit
O homem sempre esteve cercado do cosmos, e este, na sua busca por entendê-lo, o dividiu em três coordenadas ou aspectos que o compõem: os chamados tempo, espaço e movimento. Para buscar conhecê-lo com melhor clareza, ele fez uso astuto de algo que , apesar de simplificado, possui profundos significados – e a este é nomeado símbolo. Através dele, podemos entender a linguagem do universal, do cosmos que nos cerca – e a natureza não se torna mais muda, como um dia já foi. Ele, então, guarda em si, similitudes com o sentido que o valor carrega – algo que as coisas possuem intensamente.
Assim sendo, para compreendermos o sentido de um conto mitológico, é preciso entendermos primeiramente que os mitos cosmológicos, e simbólicos, foram produzidos para explicar determinado fenômeno – seja ele de qual categoria for -, e assim permitir que uma ordem pudesse ser manifesta, e representada, em dada sociedade. O mito serve, então, como o primeiro modo de explicação para o mistério que é o mundo no qual cerca o homem. Através da insatisfação de não encontrar respostas – e como meio de entender o cosmos -, o homem enriqueceu o seu universo com narrativas e símbolos. Buscando entender devidamente o sentido que o mito simbólico possui, nos serviremos de métodos desenvolvidos e demonstrados neste Jornal – nos quais unimos a semiótica desenvolvida por Greimas a filosofia de Lavelle. [6]Método esse exposto em: https://jornalcidadaniapopular.com.br/a-presenca-do-ser-como-condicao-para- a-significacao-partei/ … Continue reading
Demos, em nossos artigos, uma breve introdução do potencial que essa metodologia possui, e avançaremos ainda mais no seu uso e desenvolvimento, aliado a suas demonstrações. Usaremos novamente o livro da Dra.ª Diana Luz Pessoa de Barros, Teoria Semiótica do Texto, como meio de obtermos mais facilmente as técnicas de análise semiótica proposta por Greimas – e uniremos isso a volumosa bibliografia de Louis Lavelle como meio de termos acesso a um dos maiores sistemas filosóficos do século XX. Dessa vez, “lavellianizaremos” a semiótica greimasiana completa, nos termos dados por Barros em seu livro. Usaremos como objeto de análise o que é considerado o mais belo conto já produzido pelo maior autor de ficção de fantasia: O Canto dos Ainur, escrito por J.R.R Tolkien.
“Cada forma tem uma inclinação natural. Todo ser (ontos) tende para algo, mas esse tender, como já se demonstrou depende de sua forma, inclina- se, pois, para algo. Por isso é apodítico dizer que cada forma tem uma inclinação e a que corresponde a essa forma é a sua inclinação natural“. [7] Mário Ferreira dos Santos, Tratado de Esquematologia
“A vida não pode retomar a confiança em si mesma, não pode adquirir a gravidade, a força e a alegria, se não for capaz de se inscrever num absoluto que nunca falhará, dado que lhe é presente todo inteiro e no qual ela abre para si mesma uma perspectiva, traça um sulco, os quais são a marca e a medida dos seus méritos“. [8] Louis Lavelle, A Presença do Ser
“O princípio básico da investigação é de que a realidade da experiência é auto evidente, pois, ao servir- se de símbolos para expressar suas experiências, os homens fazem deles a chave para a compreensão dessas experiências. A intuição de que a ordem é a estrutura da realidade experimentada pelo homem e os símbolos são expressão da sintonia do homem com a ordem cósmica guia a convicção voegeliniana de que a história da ordem é a ordem da história“. [9] Eric Voegelin, Ordem e História – Vol. 1
Farias Brito, em seu A Finalidade do Mundo Vol. 1, argumenta sobre uma tendência natural que há entre a filosofia e a poesia. Na filosofia há uma concepção de mundo, onde não há a criação do conhecimento, mas o reconhecimento rigorosamente estabelecido. As descobertas produzidas por esta, acabam indo desaguar nos mares formados pelas ciências; porém, devido ao caráter abstrativo que a filosofia possui, ela nunca pode encontrar a verdade – completamente e em toda sua inteireza – da qual tanto almeja. Ademais, o nosso conhecimento está em constante estado de expansão. Disso resulta que o que nos é revelado da natureza, é cada vez mais insignificante, quando visto em comparação com o que ainda resta-nos descobrir – e principalmente com aquilo que se ignora.
A filosofia, portanto, possui uma participação nos mesmos ares idealísticos-fantásticos dos poetas. Apesar dessa ideia ser muito discutida na obra de Brito, não é nessas águas que desejamos mergulhar. Isso ocorre, pois – segundo Cornelio Fabro, em seu Introduzione All’Esistenzialismo – a filosofia tem o papel de, voltando-se sobre si mesma, conseguir ir além da de qualquer experiência da qual a vida humana possa dar. Devido a essas características, toda filosofia é por natureza metafísica. A insuficiência da experiência imediata é percebida pelos espíritos dos homens, e os move em busca de a dar a esta forma e respostas.
Com isso, nasce a busca por princípios últimos, lógicos e ontológicos – dando forma, assim, à Metafísica. Segundo Bernard Lonergan, a visão de mundo, na ciência contemporânea, é uma “probabilidade emergente”. Isso significa que devemos reconhecer que o universo é um mundo em constante processo, um universo que verdadeiramente está sendo algo. Para conseguirmos inteligir o processo emergente dessa experiência auto evidente, precisamos estar sob o domínio da probabilidade emergente.
Devemos acrescentar ainda que nas criações humanas temos não apenas uma inteligibilidade inteligente, mas, de fato, uma inteligibilidade não inteligente. Ao analisarmos as criações humanas, devemos usar métodos apropriados, para que, assim, possamos investigar – com maior critério de veracidade – as dimensões interiores da história: analisar, e descrever corretamente as ideias, significados, valores e propósitos, que afetam os eventos “de dentro”. [10] Op.cit Voegelin disse que a verdade dos símbolos não é informativa, porém tem um fator educativo preponderante. À primeira vista, isso quer dizer que a verdade simbólica não pode ser reduzida a uma simples informação de algo objetivo.
O símbolo deve possuir um impacto existencial sobre a vida da pessoa, e principalmente sobre a consciência do leitor – à qual será iluminada e reformada. Assim sendo, podemos afirmar que eles não têm referência a estruturas do mundo externo, mas que nelas há um movimento existencial, em linguagem expressiva e inteligível, daquilo que de outra forma não poderia ser. O movimento simbólico, então, somente cumpre o seu valor quando possibilita à consciência humana realizar a experiência da qual eles evocam: uma atração pela busca amorosa da verdade. [11] R. EMBRY, Charles. The philosopher and the storyteller: Eric Voegelin and twentiethcentury literature. 1. ed. Missouri: University of Missouri Press, 2018
Os símbolos, nesse sentido, têm por referência o movimento existencial, do qual a consciência realiza – e é, misteriosamente, desse ato que emerge algo que é especificado em suas particularidades, e inexplicável em suas essências. Genericamente, os símbolos são índices do misterioso surgimento da participação do ser no cosmos. [12] Ibidem Torna-se admirável, nesse sentido, como o programa narrativo – colhendo das mais simplórias transformações que existem nas histórias contadas pelo homem – reconhece que nelas há o elemento fundamental do simulacro da própria vivência humana.
O programa narrativo, nesse sentido, como vimos em sua unidade transcendente, é o meio usado para estudarmos aquilo que podemos chamar partícula fundamental da realidade – à qual está presente em todos os enredos. Um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado, em outras palavras: algo, ou alguém, está em determinado estado e devido a alguma mudança que acontece – chamada transformação -, este algo, ou alguém, é separado de algo ao qual prezava – tendo o nome de objeto-valor. Este elemento está presente em toda a narrativa, em todas as histórias, porque é a realidade subjacente em todas as criações poéticas humanas.
Como está presente em nossa citação de Mário Ferreira, tudo que há possui uma inclinação para algo – e isso ocorre naturalmente em todos os seres. Para sabermos onde se dará essa inclinação, devemos estudar a forma que compete a este ser. Não sendo necessário descrevermos algo que já produzimos, observamos as potencialidades dessa forma do percurso narrativo desembocando perfeitamente em análises narrativas. Através de sua forma, vemos como internamente, as narrativas seguem o modo de encarar a realidade que Lavelle descreve: a necessidade de haver um ato para existir a consciência. Os sujeitos do Estado e do Fazer são consciência em ato, tanto que um valoriza um objeto, e o outro, ao separar aquele de seu estimado dado, realiza uma transformação.
A forma com que a sintaxe narrativa expressa uma narrativa, expressa o seu ontos – e, assim, podemos descrever, de modo mais detalhado, as estruturas que fundamentam a possibilidade do enredo simplesmente ser contado. Devido a essa inclinação que a sintaxe possui com a realidade, vemos como elementos da vida humana estão presentes, e se desenvolvem naturalmente com o passar de processos mais simples a mais complexos. Ocorre uma inclinação natural para que os trajetos do sujeito, destinador-manipulador e destinador-julgador, sejam aceitos como partes integrantes desse processo, afinal: uma possível injustiça foi cometida e nada mais justo do que essa pessoa buscar reaver aquilo ao qual lhe foi tomado – precisando, para isso, da ajuda de alguém com mais experiência.
Constatamos, assim, que a sintaxe narrativa possui uma familiaridade bastante intensa com a questão do heroísmo, já que uma das jornadas a ser analisadas é a do mentor – ao qual confia ao sujeito determinados compromissos, e que espera que estes sejam cumpridos. Dependendo do modo como se portou com tais valores recebidos, ele será julgado – recebendo, por fim, uma recompensa ou uma punição. O valor é algo bastante importante na obra lavelliana, tanto que ele dedica sobre o assunto dois volumes extensos. Na semiótica, o objeto que possui um valor prezado pelo sujeito, é um elemento essencial para compreendermos uma narrativa.
Em Lavelle, o valor apenas consegue se realizar devido ao modo diverso com que ele é produzido. Os valores podem se apresentar como: econômicos, afetivos, intelectuais, éticos, morais e religiosos. Observamos que na aplicação do método de Greimas, o valor do Sujeito para com o Objeto sempre obedece a uma dessas categorias de valores – tanto que o enunciado elementar é descrito apenas como a relação de transitividade entre dois actantes, um sujeito e um objeto, ou seja: os valores depositados por um sujeito em um dado.
“A classificação de valores é uma mediação entre a unidade de valor e a infinita diversidade de valores particulares, sendo todos concretos e vinculados a tal ação, tal objeto ou tal acontecimento. Ele define um conjunto de grandes caminhos em que nossa mente se engaja assim que entra no mundo para encontrar ali as próprias condições pelas quais ela se expressa e se realiza. O que mostra com bastante clareza que os diferentes valores devem estar correlacionados com as diferentes funções da consciência, e constituir tanto a intenção quanto o fim dela. A própria classificação dessas funções, não expressa nada mais do que os meios que tornam possível nossa própria participação no Absoluto“. [13] Louis Lavelle – Tratado dos Valores Vol. 2 – Pag. 40
É com essa participação em um absoluto – e os simulacros dos quais imaginamos dela – que é possível termos a medida das estruturas narrativas e, com isso, compreendermos o sentido interno que elas apresentam. É essa infalível noção de realidade – em ato de ser – que permite a existência de valores modais – aos quais devem ser encarados como atos, e nunca como coisas; de onde se segue que os programas narrativos relacionados também possuem essa característica. A realidade é um princípio fundante do pensamento, e este, como tal, pode apenas ser compreendido quando se entende que a sua base é um determinado ponto de vista sobre a realidade – do qual dá sentido ao que está sendo exposto.
É uma intuição que os homens aplicam nas histórias – a estrutura da realidade aplicada a estrutura do sistema básico formador de qualquer enredo. Com isso, podemos compreender a gravidade de como essas experiências são entendidas por quem as formou. Assim, entendemos que a ordem cósmica, o entendimento que os criadores de história têm da cosmovisão, dá sentido ao modo como ele encara o mundo – e essa ordem é expressa em uma cosmologia.
Mário Ferreira escreveu que “a história humana é uma valoração da atividade do homem”. Através dela, temos acesso ao relato da criação, entendido como descoberta de valorações, assim como a sua transmutação, ou seja: a oposição que distintos valores possuem em sua concordância. Assim sendo, em toda relação humana – quando se refere a uma apreciação perante um fato ou acontecimento – ocorre uma valoração, uma apreciação dos valores envolvidos. “Ora, onde há escolha, há uma ruptura da indiferença.” “Onde há seletividade, há escolha; onde há escolha, há preferência de uma coisa à outra; onde há preferência, há ruptura da indiferença, portanto preterições, e, consequentemente, valor. [14] Mário Ferreira dos Santos – Filosofia Concreta dos Valores, 1960 – Pag. 14
Louis Lavelle escreveu que a palavra valor se aplica onde quer que se trate de uma ruptura de indiferença ou igualdade entre as coisas – onde uma delas deve ser colocada antes ou acima de outra, ou onde quer que seja julgada superior e, por isso, mereça ser preferida. Encontramo-lo na oposição natural à qual estabelecemos entre o importante e o acessório, o principal e o secundário, o significativo e o insignificante, o essencial e o acidental, o justificado e o injustificável. Poder-se-ia multiplicar esses diferentes pares e descobrir em cada um deles a afirmação de uma forma particular de valor em oposição a um termo que o nega ou desacredita. [15] Louis Lavelle – TRAITÉ DES VALEURS I: Théorie générale de la valeur, 1950 – Pag. 21
Dessa forma, o fazer humano está relacionado intimamente com o valor que ele dá. Através dessa leitura, podemos destacar como sendo essenciais ao comportamento humano, ao seu realizar histórico, o sujeito e o objeto – não um reduzido ao outro, mas cada um com as suas próprias propriedades. No agir desses espetáculos, onde há a valorização de um sujeito, por um dado objeto, ele adquire um determinado valor. Com base nesse simulacro da realidade, temos então o início do que será chamado Sintaxe Narrativa.
Na teoria das doze camadas, observamos que assim como é necessário haver obrigação para que um ser humano haja no mundo, é também necessário haver um corpo. Este sofrerá os impactos que o mundo causa, e, através dessas sensações sucessivas, a personalidade começa a nascer. A criança começa formar uma personalidade com base naquilo do qual se lembra – e do qual acredita saber e ser verdadeiro. Temos, então, o nascimento do senso da realidade com base naquilo que se pode concretizar ou não, e naquilo que se pode, ou não, sofrer. [16] Ver: https://jornalcidadaniapopular.com.br/as-camadas-da-personalidade-como-modelo-integrativo-da-vida-intelectual-parte-i/
A semiótica narrativa tem o seu início na ideia de que a realidade é uma apresentação; um espetáculo com personagens, valores a serem buscados e um mundo a ser transformado pelas ações humanas. A consciência torna-se fundamental para compreendermos o início deste método. Aquela chama clareia tudo o que conhecemos, no entanto, a claridade para nós, não é em nada distinto do que a sintaxe narrativa propõe.
Enquanto para um temos a necessidade de descrever como ocorre o espetáculo que está diante de nós, e ao qual somos apresentados – através da determinação dos participantes e nos papéis que eles representam na história simulada -, em outro, reconhecemos a necessidade da consciência atuante – com a possibilidade de, conforme o seu querer; quando há força em resistir aos impulsos e choques que o ambiente oferece, e fraqueza quando a existência cede. Toda narrativa, é uma simulação do universo imperfeito percebido pela consciência humana – daí elas serem histórias simuladas. A semiótica tem o seu começo com essa visão de espetáculo, ou da iluminação que uma consciência produz em um mundo não necessariamente desconhecido, mas que pode ser iluminado pelo ato de conhecer.
Nomeada como sintaxe narrativa, ela articula, dentro de si, duas concepções complementares de como pode ocorrer uma narrativa qualquer:
1. Narrativa como mudança de estados, operada pelo fazer transformador de um sujeito que age no e sobre o mundo em busca dos valores investidos nos objetos. [17] LUZ PESSOA DE BARROS, Diana. TEORIA SEMIÓTICA DO TEXTO. 4. ed. São Paulo: Editora
Ática, 2005
A consciência é aquilo que somos, aquilo que faz com que realizemos o ato de sermos nós, compreender o que nos cerca, e, dentro de determinados limites, o modificar. Essa consciência, esse “eu”, apenas pode ser ativada se houver algo que possa ser operado pelo fazer transformador – o dado. Sendo assim, podemos afirmar haver duas categorias de termos: os inteligíveis e os sensíveis. A matéria subsiste apenas na sensibilidade individual, apesar de que ela pode ser percebida em relação ao indivíduo; quanto ao inteligível, este não pode ser distinguido da própria inteligência, pois este é o responsável por ultrapassar, e fundar, a realidade.
Nessa experiência individual, o dado é um termo primário, podendo haver convivência sem jamais ter a experiência de conhecer o que há para além dele. Na ordem do pensamento, existe, porém, uma inversão: há necessidade de explicar como o dado, nas suas características específicas, foi estatuído. De toda forma, sempre haverá a imposição do mundo e, deste, o nascimento da consciência. Em uma narrativa temos um sujeito e as operações que este produz no, e sobre, o mundo. Ele age, portanto, ele produz um ato, pois, como se trata de uma simulação, deve espelhar esse aspecto da realidade humana.
O sujeito, então, produz algo com aquilo que ele intelige – ao escolher ter ao seu ato da consciência -, partindo, então, em busca de valores. Algo que aqui poderia ser usado como sinônimo seria a palavra bom, pois algo bom é aquilo que possui valor. Esse valor, entretanto, não é um simples bem, é algo que vale apenas ir atrás – não sem motivo que essa palavra evoca a ideia de um personagem que pode, ou não, pertencer ao real, e que possui, na sua intelecção, a capacidade de ratificar ou justificar tal empreendimento.
2. Narrativa como sucessão de estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um destinador e um destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e a circulação de objetos. [18] Ibidem
Apenas podemos conhecer a nós mesmos perante situações às quais moldam a nossa personalidade – e isso é o mesmo que dizer que, sem o dado, não há consciência, pois este brotará na busca pelo entendimento. Torna-se, então, natural que, em uma narrativa, não haja apenas a potência de conhecer, mas a sua ação efetiva. Na sucessão do acontecer – nos seus ápices declínios -, vemos como a forma da ação narrativa se dá. Torna-se necessário afirmar como dados estão sempre envolvidos – e é devido à circulação dos objetos que podemos afirmar o ato da narratividade.
As estruturas narrativas são sempre simulações da vida humana, e, como tais, elas podem tratar da busca de um valor ou de um sentido – estes sendo o centro dos relacionamentos humanos: os seus contratos e conflitos, os modos marcantes dos relacionamentos humanos. A relação das estruturas narrativas, sobre esse olhar, é inversa sobre o que somos normalmente condicionados a julgar. Podemos acreditar, graças a processos culturais, que questões como desejos e impulsos ocorrem graças a processos fisiológicos adaptados pelo ambiente.
Em outras palavras: as emoções seriam a superfície e os mecanismos fisiológicos o fundo; porém, através da convivência diária, e as explicações dadas pela sintaxe narrativa, vemos que esse pensamento é enganoso. A vida subjetiva sempre tem prioridade, pois, quando nos defrontamos com alguém, ela é sempre a primeira coisa da qual conhecemos; ela está sempre desempenhando uma função ou comunicando algo. A opinião oposta ocorre devido à influência que a visão cientista possui no meio cultural – embora ela seja uma visão artificial da realidade, pois os objetos da ciência são apenas abstrações da realidade concreta.
8§ Enunciado elementar
Devemos reconhecer que como condição prioritária da ação humana deve haver a necessidade da percepção de que a ação, na realidade, só ocorre quando o homem percebe que sua consciência é algo no qual surge por sua própria iniciativa – quando resiste às influências das quais buscam controlá-la. Essas influências externas estão muitas vezes enraizadas na natureza da personalidade, e muitas vezes há confusão entre a pessoa real e a induzida. Este é talvez o papel da consciência: o de purificar o verdadeiro “eu” e direcionar a ordem para o seu devido objetivo; entretanto, o mais importante é que, necessariamente, toda auto-criação vem da própria consciência.
Sem ela, não pode haver objetos no mundo, pois estes, e os possíveis valores que carregam, aparecem apenas para a consciência; eles não podem nem existir na natureza, porque há natureza para aqueles aos quais por eles foram escravizados, e que já começam a se libertar. Este ato entra na consciência, e na existência, pela vontade do sujeito, traz, em si, a justificação da existência que aceita assumir. Enunciado da sintaxe narrativa é o nome dado à característica básica de transitividade entre dois actantes: o sujeito e o objeto. Entre ambos, é estabelecida uma relação de reciprocidade que os definirá e, através disso, será lhes concedida a entrada na existência.
Sujeito, então, será aquele que se relaciona transitivamente com o objeto, e objeto será aquele que coliga de algum modo com o sujeito. A partir dessa relação recíproca entre partes distintas, podemos estabelecer duas distintas formas na questão da transitividade: a Junção e a Transformação. Daí, podemos afirmar haver duas categorias de enunciado elementar – e, através destes, temos a diferenciação entre estado e transformação sendo simbolizados por: Enunciado de estado: F junção (S, O) Enunciado de fazer: F transformação (S, O). [19] F = função S = sujeito O = objeto.
References
↑1 | FERREIRA DOS SANTOS, Mário. Tratado de Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2016 |
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↑2 | Sobre símbolos, e os possíveis usos que os sinais podem ter, ver: https://jornalcidadaniapopular.com.br/uma-introducao-a-semiotica-parte-i |
↑3 | J MCPARTLAND , Thomas. Lonergan and the Philosophy of Historical Existence. Missouri: University of Missouri Press, 2001 |
↑4 | HUGHES, Glenn. Transcendence and History: The Search for Ultimacy from Ancient Societies to Postmodernity. 1. ed. Missouri: University of Missouri Press, 2001 |
↑5 | Op,cit |
↑6 | Método esse exposto em: https://jornalcidadaniapopular.com.br/a-presenca-do-ser-como-condicao-para- a-significacao-partei/ ; https://jornalcidadaniapopular.com.br/a-presenca-do-ser-como-condicao-para-a-significacao-parte-ii/ ; https://jornalcidadaniapopular.com.br/a-presenca-do-ser-como-condicao-para-a-significacao-parte-iii/ |
↑7 | Mário Ferreira dos Santos, Tratado de Esquematologia |
↑8 | Louis Lavelle, A Presença do Ser |
↑9 | Eric Voegelin, Ordem e História – Vol. 1 |
↑10 | Op.cit |
↑11 | R. EMBRY, Charles. The philosopher and the storyteller: Eric Voegelin and twentiethcentury literature. 1. ed. Missouri: University of Missouri Press, 2018 |
↑12, ↑18 | Ibidem |
↑13 | Louis Lavelle – Tratado dos Valores Vol. 2 – Pag. 40 |
↑14 | Mário Ferreira dos Santos – Filosofia Concreta dos Valores, 1960 – Pag. 14 |
↑15 | Louis Lavelle – TRAITÉ DES VALEURS I: Théorie générale de la valeur, 1950 – Pag. 21 |
↑16 | Ver: https://jornalcidadaniapopular.com.br/as-camadas-da-personalidade-como-modelo-integrativo-da-vida-intelectual-parte-i/ |
↑17 | LUZ PESSOA DE BARROS, Diana. TEORIA SEMIÓTICA DO TEXTO. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 2005 |
↑19 | F = função S = sujeito O = objeto. |