Dos muitos erros que Karl Marx concebeu, talvez o maior deles tenha sido o de pensar que apenas os fatores materiais são os responsáveis por conduzir a história a determinados rumos. Entretanto, destaca Camilo, o que realmente move a história, em seus mais diversos rumos, é “a causalidade final e a formal, constituídas pelas ideologias e doutrinas, é que determinam o sentido da história”. Poderíamos citar os mais diversos exemplos sobre como essa fala é verdadeira: o caso de Portugal em diversos pontos de sua história, a construção do Brasil, pela casa de Bragança, as questões envolvendo a proclamação da república, etc. Entretanto, preferimos que ao leitor seja dada a oportunidade de ler o livro pessoalmente, para que possa tirar as suas próprias conclusões.
Como sabemos, a história de Portugal influencia diretamente o pensamento brasileiro; uma das questões, que o Camilo não poderia deixar de mencionar, é a das forças armadas. Ao longo da história de Portugal, o governo cabia ao “rei-soldado”: “Essa é, realmente, a origem da influência política das forças armadas, entre nós, como em quase todos os países que vieram das velhas realezas guerreiras da Idade Média. Paradoxalmente, somente naquelas nações em que a monarquia permaneceu é que a influência política do exército é reduzida, e nisto, por certo, está a explicação – desnecessária a ação política dos militares por já ser um militar o chefe de Estado…” [1] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 116
Uma coisa que não se pode deixar de mencionar é que o Camilo realiza uma importante, e interessante, apreciação do papel do poder moderador – e a quem caberia exercer esta função. Em “Povo e representação”, Camilo já fala dos problemas que há entre o povo e a política. Nunca houve uma verdadeira representação no cenário político brasileiro, a não ser pelos partidos nos tempos imperiais. Após esse período, a política brasileira torna-se tão somente disputas entre opiniões, ao invés de se preocupar com os verdadeiros interesses da nação. É também de se destacar o problema do sufrágio universal e as suas consequências.
Por fim, podemos dizer que, pelo bem ou pelo mal, a política de tão baixo nível deve-se a esse problema, que por ser ignorado gera um “notório rebaixamento intelectual dos parlamentos, surgiram figuras torvas de negocistas a comprar votos, verificando-se casos melancólicos de líderes sindicais que se metiam na política em vista de sua promoção pessoal, não da classe, em autêntico peleguismo e assim por diante. O fato é que, mesmo num período em que se votou de modo mais ou menos autêntico, o povo se sentia alienado de sua representação, com a qual nada de comum possuía“. [2] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 83
O livro parte então para questões de nível mais particular da cultura brasileira. No capítulo “A Democracia racial” são tratados eventos aos quais terão grande repercussão no mundo. A Europa sempre viveu em confronto com a Ásia, mas com a ascensão do século XIX. Ocorre que, em dado momento, os europeus perceberam serem muito superiores – e isso era algo que ninguém poderia contestar. Tal superioridade não estava apenas nas máquinas ou na economia, mas sim na vida intelectual. Esta gerou nomes como “Hegel, Comte e Marx, veremos que, cada um a seu modo e com intenções nem sempre coincidentes, afirmavam a mesma coisa – a verdadeira história começava, pois os períodos de desalienação estavam findos e vinha a época normal, em que o homem seria de fato, e conscientemente, o senhor de seu destino pessoal e coletivo“. [3] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 119
Por esse motivo, os locais onde viviam os anglo-saxões foram considerados como a parte mais avançada da produção histórica humana e “todos achavam que a grandeza da Europa, a superioridade da raça branca, fim do grande pesadelo da humanidade, tudo provinha da superioridade dos saxões”. Em seguida, nosso autor leva-nos de volta ao Brasil, onde essa categoria de pensamento teriam sérias consequências – sendo magistralmente explanadas, em uma longa citação de 6 páginas, por José Honório Rodrigues.
Finaliza-se essa parte com a afirmativa de que os únicos a escaparem do racismo reinante, de uma propaganda disfarçada de “ciência”, eram os positivistas, já que, devido a suas doutrinas “Eles defendiam a superioridade afetiva da raça negra e, pois, sua superioridade moral. Há curiosos documentos a respeito. Mas, de um modo geral, a posição continuou e os intelectuais continuaram a raciocinar de acordo com os modelos europeus“. [4] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 126 Para estudar e chegar a conclusão de como funcionava as questões raciais no Brasil, Camilo usa de uma confrontação entre dois autores de mentalidades distintas. É com Gilberto Freyre que se cria a “democracia racial”, teoria que basicamente afirma haver, no Brasil, tensões raciais (que em outros lugares são tão intensas) amenizadas – pelo senso de que, no Brasil, somos filhos de uma das maiores misturas de raças já vistas.
Em contraposição, temos a posição de Florestan Fernandes. Camilo comenta que este autor acaba por ignorar diversos problemas, conclusão essa que ele chega a partir de estudos e analises da situação do negro em São Paulo. Oliveira, enfim, resolve este problema com a ideia de que o mito da “democracia racial” não é um mito clássico, mas um “mito” soreliano, citando, para isso, obras literárias e documentos. Assim, chegamos à questão das relações entre o Brasil e o Oriente.
References
↑1 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 116 |
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↑2 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 83 |
↑3 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 119 |
↑4 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 126 |