Continuando a nossa exposição do Salão do livro político, passemos então para a aula 02. Nosso palestrante da vez será o Antonio Carlos Mazzeo. Vamos, como fizemos na aula 01, destacar seu currículo. Antonio Carlos Mazzeo graduou-se em Ciências Políticas e Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – instituição complementar da Universidade de São Paulo (1974), possui mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1986) e doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo (1997). Pós-doutorado em filosofia Política pela Università Degli Studi Roma-Tre (2000), sendo Livre-Docente em Ciência Política pela Universidade Estadual Paulista (2004). É professor Livre-Docente junto ao Departamento de História da FFLCH – USP, pesquisando principalmente os seguintes temas: Filosofia política no Mundo Antigo, democracia, capitalismo e marxismo, comunismo/comunismos, teoria do Estado, Estado Nacional brasileiro, História Econômica do Brasil, com ênfase em burguesia no Brasil, movimento dos trabalhadores, partidos políticos, e política italiana contemporânea.
Participou de diversos eventos, entre os quais: “MAZZEO, A. C. ; Del Roio, Marcos Tadeu ; Pinheiro, Jair . Seminário Científico: Teoria política do Socialismo. 2005. (Outro)”; “ROIO, M. T. ; Pinheiro, Jair ; MAZZEO, A. C. . III Seminário Científico: Teoria Política do Socialismo – Gyorgy Lukács e a Emancipação Humana. 2009. (Outro)”; “VITAGLIANO, M. ; VEDDA, M. ; MORGADE, G. ; MAZZEO, A. C. . VIII Coloquio Internacional “Teoría Crítica y Marxismo Occidental” – 200º Aniversario del Nacimiento de Karl Marx. 2018. (Congresso)”; “MAZZEO, A. C. ; ROIO, M. T. ; Pinheiro, Jair . II Seminário Científico: Teoria Política do Socialismo – Marxismo e movimentos sociais na virada do milênio.. 2008. (Outro)”; “200 Anos de Marx – A Relevância do Legado Marxiano para a Contemporaneidade.O Materialismo Histórico e Dialético no Pensamento de Marx. 2018. (Encontro)”; “II Simpósio Nacional Educação, Marxismo e Socialismo.Estado, governo, eleições no Brasil e perspectivas para o socialismo. 2018. (Simpósio)”; “Caio Prado Júnior – O Grande Historiador do Sèculo XX.O Conceito Caiopradeano de Sentido da Colonização. 2016. (Oficina)”; “I Seminário Cenexões: O Papel das Ciências Sociais Aplicadas na Defesa e Construção da Universidade Pública e Gratuita.O Papel da Universidade Pública na Formação Sociopolítica do Brasil. 2018. (Seminário), etc. [1] Todas essas informações estão disponíveis em: https://www.escavador.com/sobre/1245771/antonio-carlos-mazzeo
Participou da banca de inúmeros alunos desde Mestrado em Serviço Social, Mestrado em História, Mestrado em História Econômica, Mestrado em Ciências Sociais, Mestrado em Sociologia Política, Doutorado em Serviço Social, Doutorado em Ciências Sociais, Doutorado em Sociologia, etc. Escreveu uma vastidão de artigos e livros, desde “Notas sobre Autocracia Burguesa, Modernização Reacionária e Transição de Longue-Durée”, “Fundamentos Leninistas para uma Paideia Revolucionária”, “As Tarefas Históricas da Esquerda Brasileira. Núcleo de Estudos da globalização”, “Lenin e A Teoria do Estado Revolucionario”, “As Origens da Autocracia Burguesa No Brasil”, “Sociologia Política Marxista”, etc.
Pois bem, o Mazzeo abre sua aula dizendo que preparou um texto sobre a sua fala, a qual será sobre o “neofascismo como expressão ideológica da crise sistêmica do capitalismo”. Segundo ele, “o fascismo tinha como característica muito específica de ser um momento do imperialismo onde você tem capitais nacionais, Estados monopolistas nacionais”. Para Mazzeo, ali se desenvolve o fascismo clássico, onde “o processo de acumulação de capital se dá sem uma ruptura revolucionária, e há o processo que o Gramsci chama de “transformismo” da nobreza feudal em burguesia. Nesse processo, você tem uma fusão do velho com o novo – o velho, a velha estrutura feudal que se transforma numa forma de organização econômica capitalista, onde a burguesia é a antiga nobreza feudal, e que, nesse processo de transição, se transforma através de um Estado nacional, onde o núcleo bonapartista é fundamental”.
Sobre esse caráter “bonapartista”, o Mazzeo vai dizer que o seu núcleo são “líderes carismáticos, líderes místicos, centrados em Estados nacionais que montam uma competição imperialista através de um projeto ideológico irracionalista místico e mítico”. Assim, no caso da Alemanha, “os germânicos como a raça superior que iria depurar o mundo”, e dos italianos como “ a volta aos velhos tempos de Roma”. O Mazzeo diz que é aí onde você tem “não só a fobia como também o racismo”, e que esses líderes “têm como característica o núcleo moralista e o racionalismo anticientificista”.
A “crise estrutural do capitalismo”, segundo Mazzeo, vai ser acompanhada por uma ofensiva neoliberal muito bem estruturada, porque primeiro “nós vamos ter a reestruturação produtiva, a desarticulação das formas clássicas de organização do capitalismo, um processo progressivo de precarização do trabalho, e aí você tem o desmonte da velha forma do capital monopolista, surgindo um novo momento deste com a presença de um novo elemento: o capital imperialista”.
Assim, o Mazzeo ressalta que a “desorganização do movimento operário, após a ofensiva neoliberal – ofensiva esta a qual ganha uma dimensão de restrição progressiva das conquistas operárias, as quais tinham acontecido em função da força e organização operária -, não restringe só direitos econômicos e sociais, mas implicou em outro elemento”. Qual seria esse elemento? Seria “um progressivo surgimento de um pensamento conservador, que traz em si um atavismo [2]Nos estudos biológicos, o termo “atavismo” se refere à uma reminiscência evolutiva, com o reaparecimento de uma certa característica no organismo, depois de várias gerações de ausência. … Continue reading ideológico do fascismo clássico, mas que não pode ser o fascismo clássico – já que este se estrutura no nacionalismo de países, e agora você talvez tenha a xenofobia e o racismo da União Europeia”.
Sobre o “neofascismo”, o Mazzeo salienta alguns aspectos importantes: “primeiro é a recomposição do pensamento irracionalista através da Hannah Arendt e do Von Mises. Nessa nova construção, se coloca o revisionismo histórico. O núcleo irracionalista do pós-modernismo está no revisionismo histórico. O que é esse revisionismo histórico? É a negação da revolução. Primeiro, é a negação da Revolução Francesa, dizendo que ela perde o seu caráter democratico porque gera o jacobinismo, e este geraria uma política racial”.
O segundo elemento importante, para o Mazzeo, do “revisionismo histórico” é “o desmonte da ideia de movimento histórico”. Para o explicar ele recorrerá a análise de Walter Benjamin, que ao “analisar o quadro do Angelus Novus, entende que o anjo se recusa a ver a história, ele está de costas para a história, ele não está olhando para a história, e, ao mesmo tempo, quando ele vira o rosto para a história ele vê um mundo destruído – que é o mundo dos anos 30, o mundo pré-segunda guerra mundial”. O Mazzeo chama a análise do Benjamin de interessante, porque, segundo ele, “esse anjo, por mais que ele não queira ver, ele também sofre um vendaval, e esse vendaval que vem do paraíso é a história – e não dá para você negar o movimento”.
O Mazzeo vai dizer que o Benjamin percebe intuitivamente uma “nova construção do irracionalismo – o qual vai negar a ideia de processo histórico”. Ele destaca Hannah Arendt, em seu livro “origens do totalitarismo”, a qual, citando o Jefferson, diria que “o único lugar onde o povo vivia bem, as pessoas tinham comida, tinham aquecimento, combustível, felicidade, e uma visão de liberdade é nos Estados Unidos”. O Mazzeo vai chamar isso de “um núcleo mítico igual ao misticismo do irracionalismo do início do século XX”.
Aqui é preciso fazermos uma pequena pausa para explicarmos uma questão. Para os Marxianos, o pensamento mítico, o pensamento ideológico, é aquele ao qual tenta explicar todo o fato, toda a vida, a partir de uma escolha “arbitrária” de uma ocorrência, de um caso, e a usa como essência fixa, como conceito geral e generalizado da sociedade. Para os Marxianos, isso é fetichizar o processo histórico – ocultando a estrutura organizativa social concreta, mascarando a relação do conflito social.
O Mazzeo vai dizer então que no plano ideológico “estão lançados os elementos para o neofascismo, e isso quebra qualquer ideia de movimento e progresso histórico”. Qual seria então a resposta filosófica para essa crise? Segundo o Mazzeo é a “revisitação por parte do pensamento conservador, o pensamento burguês, das formulações existencialistas e irracionalistas de Hannah Arendt e Von Mises. E o que está por trás disso é que qualquer solução, qualquer ideia de história é uma ideia a qual não tem fundamento, porque a história nada mais é do que a visão que se tem dela, ou seja: é o relativismo e a negação da história”.
Segundo Mazzeo, o Lukács percebe que “na medida em que o capitalismo vive uma contradição, na medida em que você não tem o núcleo da matéria, você não tem o ser social como elemento, você passa a ter um núcleo mítico e metafísico como elemento do movimento. Então, o movimento torna-se de novo uma ontologia do espírito e não uma ontologia do ser social”.
Assim, a segunda coisa a qual o pensamento burguês, o movimento de negação da história, cria – na medida em que está conectado com a crise -, é para o Mazzeo, é aquilo que o Mészáros vai dizer “olha, tem um dinamismo negativo no capitalismo”, porque “ele não permite que a burguesia veja a possibilidade de progresso, então o núcleo do estático, o compasso de espera passa a ser algo permanente, e esse é um núcleo que ganha uma dimensão muito grande com o senso comum, porque vai informar o senso comum o seguinte: “olha, não há nenhuma perspectiva de futuro lindo. Isso aí foi uma ilusão que levou ao totalitarismo, ao autoritarismo, ao populismo”. E são esses conceitos que, portanto, não tem conexão com as formas sociometabolicas [3] Termo do Filósofo Marxiano István Mészáros, em seu livro “Para além do Capital”, a qual será trabalhado por nós em outro momento oportuno. concretas, são formas idealistas de avaliação”.
O Mazzeo aponta: “Nós temos um mundo hoje centrado no pensamento conservador, numa ideia de que a história não anda porque ela é estática, ela é isso aqui e não tem outro futuro a não ser esta miséria do capital. E mais do que isso: é um mundo onde você tem a negação do progresso e da história, você tem também a negação da ciência. É um mundo onde a ciência é renegada, um núcleo antidemocrático e anticientífico. A dinâmica da vida passa a ser o senso comum, o pensamento místico, passa a ser a ideia de um mundo estático”.
É assim que chegamos ao livro do Umberto Eco, e seu conceito do fascismo “fuzzy”, a qual é citado pelo Mazzeo. Segundo este, o fascismo “fuzzy” seria “o culto a tradição; a alusão a uma verdade primal, que não está mais na raça, mas em Deus, na religião, nos valores da família; a recusa da modernidade, porque os nazistas elogiavam a modernidade, mas o seu núcleo de elogio era superficial – já que na verdade eles se baseavam na ideia do sangue e terra, na tradição”. Por último, esse fascismo “fuzzy” estaria na definição das universidades como “antro de comunistas, de maconheiros e de fabricação de gays, como se gays pudessem ser fabricados”.
A partir de então o Mazzeo vai fazer uma interessante análise da forma da democracia burguesa. Em seus dizeres, “quando você tem uma crise do capitalismo cria-se a crise da sua forma política: a democracia burguesa. Na medida em que o capitalismo está em crise, a democracia burguesa também entra em crise”. Segundo o Mazzeo, “o Mészáros falava muito isso: “olha, você tem uma crise do capital, você tem uma crise do pensamento burguês e das formas organizativas burguesas”. Eu acho que nós temos de aprofundar a crise, porque na medida em que você luta pela democracia, você luta pela democracia burguesa: a democracia formal, onde se troca o governo, mas não o poder. Você não questiona os fundamentos que mantêm essa democracia burguesa – que são os fundamentos da economia burguesa”.
Para o Mazzeo, a perspectiva proletária da democracia “é o aprofundamento e a radicalização da democracia a níveis que a burguesia não tem condições de levar, porque se ela leva a democracia a sua profundidade, se ela radicaliza e foca o pensamento filosófico-crítico, ela desmonta o capital”. Então, nos dizeres do Mazzeo, a democracia burguesa “não pode ter essa de democracia como nós pensamos, e não pode ter um pensamento filosófico-crítico profundo porque ela vai desmontar a si mesmo”.
É impressionante como a intelectualidade marxiana consegue fazer uma análise sociológica do Estamento Burocrático, dos donos do poder – tese de Raymundo Faoro -, com um nível de profundidade mil vezes maior do que qualquer tentativa de crítica conservadora ou tradicionalista à democracia moderna. Tal fato nos mostra o quanto pode ser de grande valia retirar a ideologia da sociologia marxiana [4] Como fizemos com o Rago e a Marly , e levar a sério a sua análise intelectual.
É então que chegando à análise política, o Mazzeo nos dirá: “O integralismo nada tem a ver com o fascismo. O Bolsonaro é, ao meu modo de entender, neofascista de via colonial. Ele é um cara que tem uma proposta de inserir o Brasil, de maneira subalterna, na economia internacional através do agronegócio”.
Partindo para o fim da sua aula, o Mazzeo vai mostrar qual o papel de um intelectual, pois, em sua visão, a saída é “ter um diagnóstico do que fazer. Primeiro seria não apoiar a democracia burguesa”. O porquê disso? Mazzeo diz que “não podemos esquecer: o partido democrata, que se opôs ao Trump, está hoje fazendo a política do Trump; está expulsando imigrantes, está mandando para o desespero os haitianos, está tomando políticas contra a China, etc”. Em relação ao diagnóstico do que fazer, Mazzeo diz: “É a gente organizar a contrapartida, que é a construção de um bloco-histórico socialista no Brasil e no mundo. Esse bloco não é um projeto para amanhã, mas deve ser construído com muita firmeza e diálogo entre os setores que se colocam na perspectiva do socialismo. É o momento da gente fazer debate mesmo e começar a pensar o que fazer”.
Acreditamos, caro leitor, que nossos artigos anteriores foram mais do que suficientes para demonstrar a consciência a qual a intelectualidade marxiana tem de seu papel intelectual – e a seriedade com o qual ela o desempenha.
References
↑1 | Todas essas informações estão disponíveis em: https://www.escavador.com/sobre/1245771/antonio-carlos-mazzeo |
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↑2 | Nos estudos biológicos, o termo “atavismo” se refere à uma reminiscência evolutiva, com o reaparecimento de uma certa característica no organismo, depois de várias gerações de ausência. Em outros termos, “atavismo” corresponde a um tipo de “retrocesso” no processo da evolução de uma espécie. Transpondo esse conceito para a história humana, o termo “atavismo social” são inúmeros retrocessos, determinadas práticas, ideias e preconceitos que pareciam já ter sido superados há tempos, mas que ressurgem com grande intensidade. Ver: http://obviousmag.org/observando_o_cotidiano/2018/atavismo-social.html |
↑3 | Termo do Filósofo Marxiano István Mészáros, em seu livro “Para além do Capital”, a qual será trabalhado por nós em outro momento oportuno. |
↑4 | Como fizemos com o Rago e a Marly |