Pois bem, exposto a aula 06 do curso “Da reivindicação dos direitos da mulher ao marxismo feminista | #8M 2022”, passemos agora para a sua aula 02. A palestrante é a Marília Moschkovich, tendo como tema “a revolução das mulheres de 8 março”. Como sempre fazemos, vamos mostrar um pouco de seu currículo. Marília é Socióloga do Conhecimento/Ciência e da Educação Superior; socióloga do Gênero e do Feminismo. Atualmente é pesquisadora de pós-doutorado do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS) no departamento de antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e fellow do Mecila, em um projeto temático sobre conservadorismos. Foi docente na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO) no curso de mestrado em Estado, Governo e Política Pública (Rio de Janeiro, RJ), além de colaboradora do Instituto Gerar de Psicanálise, em São Paulo/SP.
É autora de “A bissexualidade como epistemologia: uma teoria bissexual para olhar o mundo”, “Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich. (Org.). A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, “Sobre laranjas mecânicas, feminismo e psicanálise: natureza e cultura na dialética da alienação voluntária”, “A crítica à família e os estudos antropológicos de Engels”, “Notas para um Materialismo Bi-Alético. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura”, etc. [1] Informações disponíveis em: https://www.escavador.com/sobre/8168669/marilia-barbara-fernandes-garcia-moschkovich
Antes de passarmos propriamente ao assunto da aula, devemos mostrar porque esta aula deve vir logo em seguida dá aula 06. Como dissemos, o intelectual marxiano está preocupado em fazer – a partir da reinterpretação de Marx – um estudo ontológico geral da instituição-sociedade. Enquanto a aula 06 foi centrada nos aspectos gerais, nos conceitos gerais, da análise marxiana – como forma de apresentação da sua atualidade ao tempo presente -, a aula 02 tem a proposta de – a partir dos conceitos marxianos – aplicar a interpretação e análise do tempo presente. Para mostrar isso, vamos ver o que a Marília fala em seus textos.
Em seu pósfacio ao livro de Engels, a Marília vai dizer que ele conseguiu observar a família patriarcal monogâmica como um dispositivo de ação de classe para garantir que a especificidade de sua ação seja re-executada num domínio de ação sobre o proletariado. Segundo Marília, Engels – na ação pela qual compreende os modelos familiares, os arranjos maritais e sexuais da modernidade – apresenta uma nova perspectiva epistemológica. Para ela, Engels havia identificado uma enorme ação variante nas maneiras de associar, e vincular, socialmente a sexualidade as conceptualidades de consanguinidade – apontando que a monogamia seria apenas um princípio central possível em alguns sistemas de parentesco. [2] Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p.224-225
Assim, Engels teria sido pioneiro ao apresentar que uma ação política posiciona, e relaciona, esse princípio da monogamia. Segundo Marília, Engels, baseado em “evidências históricas”, mostrou como as ações das sociedades capitalistas – seus princípios econômicos e políticos – relacionam, e associam, o sistema de parentesco. Por isso, seus textos seriam um “canone no debate feminista, tanto na União Sovietica, quanto em países como França, Estados Unidos e Brasil”, de maneira a ter um papel fundante no “desenvolvimento de um dos mais poderosos conceitos feministas nas ciencias sociais e humanidades: o conceito de gênero”.
Para provar isso, a Marília vai citar a entrevista da antropóloga Gayle Rubin dada a Judith Butler: “Havia muita gente estudando A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Engels. Engels fazia parte do cânone marxista e ele falava sobre mulheres, por isso seu trabalho gozava de especial prestígio. […] Mesmo os melhores trabalhos marxistas da época tendiam a focalizar assuntos mais próximos das preocupações centrais do marxismo, como classe, trabalho, relações de produção […]. Surgiu então uma literatura maravilhosa, muito interessante, sobre o trabalho doméstico, por exemplo. Fizeram-se bons estudos sobre a divisão sexual do trabalho, sobre o lugar da mulher no mercado de trabalho, sobre o papel das mulheres na reprodução do trabalho. Parte dessa literatura era muito interessante e muito útil…”. [3] Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 225-226 (grifos nossos)
A partir disso, a Marília ressalta que a tensão dialética entre marxismo e feminismo foi um motor de grandes avanços no espaço público e na criação de conhecimento. Contudo, houve um distanciamento entre o pensamento marxista e a criação feminista em geral – o que impediu um “avanço da teoria marxista em diversos pontos cegos, como a questão LGBT e o sistema de gênero”, dos quais, ironicamente, só foram percebidos graças as ações marxistas elaboradas anteriormente. Por isso, a necessidade de novas “sínteses, releituras e reinterepretações, marxistas vem sendo pauta de diversos movimentos sociais, coletivos e partidos, desde a década de 2010”. Para Marília, é como se o próprio espaço de criação do conhecimento marxista se abrisse, cada vez mais, para a necessidade, e a possibilidade, dessas novas sínteses – buscando fomentar um avanço de novas ações às quais revolucionem este novo século. [4] Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 228
Essas sínteses são sínteses de luta – tanto feministas, no caso da não-monogamia, como LGBT -, de ações que transformem, e tensionem, as ações sociais relacionadas, rumo a uma ação na qual se construa uma ação revolucionária. Para Marília, a travesti, em sua ação relacionada ao Capital, é o sujeito revolucionário – apontando, assim, para outras sínteses, das quais permitem analisar o capitalismo em nossa época. A ação desse sujeito revolucionario compreende – efetivamente e dialeticamente – o fenômeno do trabalho sexual – remunerado ou não (marital) – e do sistema de parentesco. Assim, essa ação revoluciona, e reestrutura, as ações das famílias – ou mesmo as extingue enquanto ação instituída -, o sistema de parentesco, e as ações afetivas e sexuais relacionadas, como parte fundamental de uma ação revolucionária que reestrutura – politicamente e economicamente – a ação de nossa sociedade. [5]Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 229; Moschkovich, 2020, A bissexualidade de Marx: negatividade, dialética e as novas … Continue reading
Segundo Marília, esquece-se, quase propositalmente, que o materialismo histórico é um método de análise – da realidade e das ações sociais relacionadas, das quais compõe a materialidade do fenômeno humano -, do qual só pode ser feito em diálogo crítico-radical com as diversas ações, e os avanços, que cada época executa. Por isso, qualquer análise à qual se coloque como “marxista” precisa, de partida, estar disposta a não descartar autores, conceitos, assuntos, obras e criações intelectuais, apenas por não fazerem parte do cânone marxista ou por não usarem os escritos marxianos e marxistas como cartilha. [6]Ver Moschkovich, 2020, A bissexualidade de Marx: negatividade, dialética e as novas sínteses marxistas. Disponível … Continue reading
Para ela, nem toda obra em diálogo com Marx [7] Portanto: obras marxianas , ou elaborada no contexto dos debates marxistas, utiliza o materialismo histórico de maneira dialética – e esse problema já gerou nos movimentos comunistas, ao longo dos últimos séculos, socos entre diferentes autores e militantes. Implicam, neste problema, diversas ações conflitivas relacionadas às conceptualidades dos fenômenos e as maneiras de os abordar – transpostos, assim, do campo da filosofia para a luta política dos movimentos sociais. [8] Dito de outro modo: transpostos da análise e interpretação marxiana para a luta diária marxista, em sua tentativa de consolidação político-partidária.
Segundo Marília, é preciso compreender a importância dessas sínteses, pois elas são ferramentas elaboradas por Marx ( o materialismo histórico) como base de análise das questões prementes e fundamentais de nossa época – mesmo que estas ainda não tenham sido suficientemente reconhecidas pelo espaço de criação intelectual do marxismo. [9] Op.cit
References
↑1 | Informações disponíveis em: https://www.escavador.com/sobre/8168669/marilia-barbara-fernandes-garcia-moschkovich |
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↑2 | Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p.224-225 |
↑3 | Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 225-226 (grifos nossos) |
↑4 | Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 228 |
↑5 | Ver Posfácio à edição brasileira: entre marxismo, feminismo e antropologia. In: Engels, Friedrich, 2019, p. 229; Moschkovich, 2020, A bissexualidade de Marx: negatividade, dialética e as novas sínteses marxistas. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/09/29/a-bissexualidade-de-marx-negatividade-dialetica-e-as-novas-sinteses-marxistas/ |
↑6 | Ver Moschkovich, 2020, A bissexualidade de Marx: negatividade, dialética e as novas sínteses marxistas. Disponível em:https://blogdaboitempo.com.br/2020/09/29/a-bissexualidade-de-marx-negatividade-dialetica-e-as-novas-sinteses-marxistas/ |
↑7 | Portanto: obras marxianas |
↑8 | Dito de outro modo: transpostos da análise e interpretação marxiana para a luta diária marxista, em sua tentativa de consolidação político-partidária. |
↑9 | Op.cit |