Na animação japonesa “Tokyo Godfathers (2003)”, dirigida por Satoshi Kon, vemos três mendigos que possuem seus dramas do passado, suas vergonhas inconfessas e seus medos. Não tratam com dignidade sequer um ao outro. Estão a todo momento xingam-se e chamando-se de imprestáveis, tornando-se bodes expiatórios. Ao se depararem com um bebê abandonado sensibilizam-se para ajuda-lo, um quer cuidar dele ao menos durante a noite de Natal, que deve ser uma noite feliz e guardar agradáveis lembranças. Apesar dos protestos a isso, os outros também querem o melhor para a pequena, a ponto de buscarem seus pais.
Talvez o maior drama do mendigo seja a indigência. O acumulo de erros e intempéries do passado fizeram-nos perder as forças e esperanças, agora têm vergonha de enfrentar o fantasma da própria biografia. Deitados na sarjeta da penúria vivem semimortos. Alguns passam por eles e sentem pena como quem sente de um cachorro na chuva. Alguns jogam esmolas mudas que caem frias e sem alma nas mãos mendicantes. Por vezes tudo que precisam é que os tratem como gente, dar a esmola sorrindo. “Bom dia”. “Como está?”. “Boa sorte”.
Há claramente um símbolo que remete ao menino Jesus, o próprio – Já adulto – irá dizer que aquilo que fizermos a um desses seus pequeninos, a Ele fazemos. Eis o símbolo do Cristo que encarna na criança rejeitada, induzindo à caridade e ao amor pessoas – ao encarnar também em seus corações – das quais muitos não esperariam a menor humanidade – mendigos e travestis – que apesar disso por vezes são mais cristãos do que nós mesmos. Quem sabe futuramente a própria criança irá saber dessa história e constranger-se-á à bondade. O necessitado cria a piedade que o torna piedoso: eis o ciclo do amor. Assistir a “Tokyo godfathers” enriquece nosso olhar para esses indivíduos: vendo-os caridosos naquela noite de natal, cuidando da criança rejeitada, humanizamos nosso olhar e sucumbimos aquele que talvez seja o maior drama do mendigo: a indigência.