Uma Teoria Crítica: a importância de lermos os “marxistas” – o problema da intelectualidade conservadora (parte I)

  • Rodolfo Melo
  • 20 dez 2021

 

A ideologia da direita é construída – um dos dados é esse – combatendo os líderes do outro campo, não no plano ideológico, mas pessoal. ”Esse homem está sofrendo do coração; este homem está velho; esse homem é ignorante”. [1] Raymundo Faoro

Antes de mais nada, é preciso que se fique claro qual a proposta deste artigo. Pois bem, este artigo tem como primeira proposta inaugurar a nossa coluna, apresentando o nosso método de trabalho, e o assunto a que versaremos; a segunda proposta é decorrente da primeira. Assim, este artigo é o introdutório, o prolegômenos, do nosso artigo “Literatura e Superestrutura Marxiana”; a terceira proposta é aclarar a terminologia dos nossos adversários, expor suas ideias, criticá-las, e justificá-las; decorrente da terceira proposta, situa-se a quarta: tendo como objetivo elucidar que o termo “Marxismo”, tão usado pela intelectualidade conservadora, é não só incorreto, mas também pouco fundamentado e compreendido.

Ora, dissemos, em nosso itinerário, que este jornal teria como princípio apresentar as ideias de nossos oponentes, sem jamais os desvalorizar ou tripudiar. Este artigo tem como objetivo criticar o erro da intelectualidade conservadora, qual seja: menosprezar, ridicularizar, fazer graça e gracejos, não levando a sério os seus opositores, as suas doutrinas e os seus pensamentos.

Caro leitor, a ideia deste artigo já vinha martelando a minha cabeça faz um tempo. Percebi que não havia uma pessoa sequer tentando expor seriamente a Filosofia “Marxista”. Muitos falam dela, mas poucos a leram, e, muitos menos, a expuseram num sistema coerente. Na verdade, eu percebi um fenômeno estranho, a saber: havia uma espécie de recusa da intelectualidade em falar sobre o assunto, quando não fosse zombando do adversário. Isto era recorrente até em intelectuais com trabalhos sérios e admiráveis – que embora não ridicularizassem Marx, o veem sob aspectos separatistas, e não numa visão do todo coerente.

Quando estes falavam no assunto – iam um pouco além daqueles, é verdade –  falavam sobre a visão política, ou histórica do século XX. Assim, não falavam de Marx, mas da aplicação de Marx pelo século XX. Toda vez que mencionavam Marx, o mencionavam numa espécie de fusão indissolúvel entre Marx e Lenin, entre a Alemanha do século XIX e a Rússia do século XX. Parecia ser impossível ler Marx sem ler toda a movimentação política, que usou da obra de Marx. Ora, é claro que Marx tem uma Filosofia política, e participou de movimentos políticos, mas isso está longe de esgotar seu pensamento.

Mencionam Marx como “coletivista”, ou “revolucionário”; dizem que ele era um “burguês” financiado por Engels – e que nunca havia visto um proletariado em sua vida – ; dizem que ele viveu no mundo das ideias e não da prática; que olhou não para sua época, para seu país, mas para ideia de revolução. Procedem assim nessas categorias tolas de “coletivismo x individualismo”, “subjetivo x objetivo”, “ideia x prática”, como se explicassem a algo – como se a sua separação correspondesse a um movimento dialético-Filosófico, de um pensamento tão complexo. É preciso ir além, é preciso ver além desse separatismo anti-filosófico. É preciso ver Marx por sua Filosofia, através de sua Filosofia, caso queiramos compreendê-lo.

Já aqueles primeiros, nada mais fazem do que falar que a barba de Marx era “sebosa”, que ele tinha “furúnculos”, que “não sustentava a família”, que “não tomava banho”, ou que “nunca viveu na realidade, na dificuldade dos boletos, mas sim no mundo das ideias”. Acreditamos que nossa citação, do grande Raymundo Faoro, já é suficiente para responder a tipos como esse. O leitor deve saber que há algo comum entre todos esses grupos, a saber: confundem a militância de rua, a militância politica, chamada comumente de “idiota útil”, com a “esquerda”.

Acreditam que Marx foi o defensor do Estado, do aumento do poder estatal. Usam de nomes políticos como se eles fossem os sistematizadores do “pensamento esquerdista”. Falam de Freixo, de Tabata, de Dilma, do Lula, como se estes fossem o programa teórico da “esquerda”. Assim, diferenciaremos tais movimentos do sistema científico metodológico. Não se invalida uma ideia refutando o homem [2]É verdade que o Professor Olavo diz que devemos combater pessoas e não ideias. Porém, quando o Professor fala isto, é no sentido de que mesmo a ideia sendo destruída, caso o orador atinja meios … Continue reading ; atacando o homem atacamos a pessoa de carne e osso, mas permitimos que a sua ideia cruze os séculos inabalada, válida e insuperável.

Muitos seguem a ideia de atacar o homem a partir de uma visão errônea dos ensinamentos do Filósofo e Professor Olavo de Carvalho. Quando o Professor faz uso de xingamentos, ou de nomes engraçados, ele está adentrando em uma técnica de debate – a qual tem uma função específica. Aquilo não é feito apenas por divertimento, mas com um objetivo delineado. Deixemos que o Professor fale: “… Não pretende convencer-nos da veracidade de suas teses… Mas inculcar gradualmente nos outros um hábito linguístico, colocando-o ao mesmo tempo fora do alcance de toda arbitragem racional, é pura manipulação psicológica. Saímos, portanto, do terreno da discussão filosófica… Para entrar no da sutil imposição de vontades mediante a repetição de slogans e a mudança de vocabulário“. [3] Carvalho, 2018, p.59  

Mais adiante, ele nos diz: “Uma inculcação gradual nunca se bate de frente contra argumentos, mas aproveita-se dos momentos de distração do interlocutor para sub-repticiamente induzir nele uma mudança de estado de espírito… Induzindo a vítima a relaxar suas defesa por meio de uma conversa amena“. [4] Carvalho, 2018, p.417 Assim, o xingamento, os apelidos, são um recurso para trazer o ouvinte de volta daquela “programação neurolinguística” do debatedor. O.C de Carvalho contínua: “Para expulsar o sedutor é preciso recusar-lhe, desde logo e definidamente, qualquer aceno de simpatia… [eles] obtêm,  assim, por cima ou por baixo de nossa discordância superficial, nossa mais completa obediência. Não há meio de enfrentá-las senão por ostensivas manifestações de antipatia, de modo a fazê-las entender… que, em suma, não gostamos da sua conversa“. [5] Carvalho, 2018, p.417-418

Ora, para fazermos tal coisa é preciso conhecer profundamente a retórica do adversário, os 4 discursos (poético, retórico, dialético, lógico) , a decadialética, e, sobretudo, o sistema Filosófico do qual o nosso adversário se alimenta. Sem isso, nada entenderemos e nada poderemos. Discorremos ainda que havia uma certa recusa em falar sobre este assunto – esse é o grupo da “panelinha”. Acham que estudando apenas os Santos, a Doutrina, o Magistério –  que embora sejam assuntos preciosos, são insuficientes – , ou que afastando-se do mundo, para cuidar de suas famílias, estarão evitando a investida do oponente. É de uma tremenda ingenuidade achar que não falar sobre um assunto, fará com que este assunto não adentre a parede de suas casas, a mente dos seus filhos, as atividades de seu dia a dia.

Antes de mais nada, é preciso salientar que não devemos temer ideias, mas ao contrário: devemos ir a fundo nelas, buscar suas origens. Este é o princípio que norteará todo o nosso jornal: “Qual a origem de nossas ideias?”.

I- De onde foi que eu tirei essa ideia? II- Como isso veio parar na sua cabeça? III- Onde, pela primeira vez você teve notícia desta ideia: foi alguém que lhe falou, foi um livro que você leu? IV- Qual foi o contexto real onde aquilo lhe apareceu? V- Qual a história que essa ideia teve dentro da sua mente?“. [6] Carvalho, 2009, aula 09 do COF Portanto: “Você nunca deve ler livros de filosofia com os quais você vai concordar ou discordar… A pesquisa deve tratar o assunto como documentos da vida humana, como depoimentos, de modo que no procedimento investigativo transpareça o drama intelectual vivido, a situação humana por baixo daquilo“. [7] Carvalho, 2009, aula 08 do COF  

Assim devemos:”… Nos embebedar do problema, porque se você não se identificou com o problema, você não vai entender do que o sujeito está falando; o segundo bloco é o adestramento na compreensão e uso da linguagem. Na medida que você vai captando sutilezas e nuances, das situações e da linguagem… Você amplia a expressão da experiência correta; [no terceiro bloco] você tem que se munir de toda a documentação necessária e depois ir lendo aquele material, articulando as várias hipóteses, posições e alternativas, como se fosse uma teoria única, ou seja, compor a estrutura do problema a partir da história do problema“. [8] Ibidem

Com isso, fica claro que para entendermos um sistema filosófico não devemos o ler a partir do que já temos como verdadeiro. Devemos ir ao autor, deixar que ele nos invada, captar a coerência de seu pensamento –  ainda que isto não esteja claro em sua obra – , captar o que lhe escapa, reviver sua experiência, seu drama, para que possamos expressar corretamente a sua ideia. É importante, desde logo, salientar que nossos oponentes, há muito, fazem tal coisa com as nossas ideias. Sim caro leitor, os nossos adversários nos leem, nos estudam, e nos entendem melhor do que nós mesmos – e isto será demonstrado mais à frente em nossa parte II.  

 

References

References
1 Raymundo Faoro
2 É verdade que o Professor Olavo diz que devemos combater pessoas e não ideias. Porém, quando o Professor fala isto, é no sentido de que mesmo a ideia sendo destruída, caso o orador atinja meios de persuasão e de credibilidade, por artifícios retóricos, a plateia ainda o apoiará – mesmo que seu argumento não seja mais lógico ou racional. Para quem tenha lido o nosso artigo “qual a importância da linguagem?”, estará claro o porquê de assim ser.
3 Carvalho, 2018, p.59
4 Carvalho, 2018, p.417
5 Carvalho, 2018, p.417-418
6 Carvalho, 2009, aula 09 do COF
7 Carvalho, 2009, aula 08 do COF
8 Ibidem
Rodolfo Melo

Rodolfo Melo nasceu em João Pessoa – PB; é Presidente e Editor Chefe do Jornal Cidadania Popular; aluno do COF desde 2016, tendo feito também o curso “PSICOLOGÍA DE LA TEMPLANZA”, com o Psicólogo Tomista Martin Echavarría.

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