Usando a Teoria das doze camadas, chegamos uma formulação bastante interessante: há uma hierarquia dos valores aos quais uma pessoa pode desenvolver na vida, sendo que essa variável está centrada na compreensão que tenho de porque devo fazer isso – o que acaba desembocando na ideia de como Deus julgará isso. A segunda é que as preocupações de uma camada são completamente diferentes das anteriores e superiores. Peguemos, como exemplo, as preocupações de uma pessoa na camada 7 e de outra que está na 9.
As pessoas da 7 tem preocupações relacionadas ao não cumprimento do dever, e no sofrimento que isso causará às outras pessoas; já as que estão na camada 9 tem suas preocupações no descobrimento da verdade – existem determinadas demandas que o intelecto exige que sejam respondidas, e o não cumprimento disso é o fator de sofrimento para o indivíduo. Não interessa onde esteja essa verdade, em Aquino ou Guénon, há o manifesto de superioridades entre um e outro, mas a pessoa de camada 9 só interessa o conhecimento da verdade, e a resolução de problemas que o intelecto lhe impõe. As pessoas da 7.ª camada têm uma tendência natural de julgar as preocupações de pessoas da 9.ª, como tendo ambições tolas ou ações que têm por consequência a perda de tempo.
Os motivos podem ir desde valores centrados em algo distorcido, como a situação política atual, até o desprezo pelo conhecimento ao qual uma pessoa deseja alcançar, ou uma questão intelectual que se deseja resolver – defendendo, até mesmo, que como um determinado escritor, pensador ou filósofo, é melhor do que aquele outro, nada poderá ser encontrado de melhor ou de significativo em sua obra. Indivíduos da camada 7 têm entendimentos caricaturais sobre as preocupações dos indivíduos da 9, tanto que a fase intermediária pode ser vista como manifestações de depressão aguda as quais devem ser evitadas. Diferentes preocupações criam diferentes valores, e estes se concentram em uma perspectiva competitiva. Na 7, a pessoa quer servir, porque sabe que, caso não o faça, pessoas sofrerão, e, por amor, assim ela serve.
Já no 9, a pessoa se interessa pela verdade, independentemente de quem possa sofrer com isso, ou mesmo quem possa ser ofendido – pois, a verdade é mais importante do que sua personalidade, ou das punições as quais ele possa sofrer. A 9 somente pode surgir com a crise da 7, e com o processo de incorporação de sua moral pela 8 na 9. Por isso, seus motivos de sofrimento, e busca, são considerados incômodos, levianas, ou mesmo são desprezados. Na 7, o que interessa é o cumprimento do dever, já no outro a aquisição da verdade. Quem possui seu sofrimento centrado em preocupações morais, não possui meios de entender o sofrimento centrado nas preocupações intelectuais.
Através dessas conclusões, temos meios que nos ajudam a produzir uma crítica da situação a qual encontramos em nossos dias – situação que ocorre de maneira análoga, em quaisquer camadas, quando analisadas, e estudadas, do ponto de vista de uma anterior para uma posterior. Os motivos do sofrimento de uma pessoa na camada 7, parecem sem interesse algum a alguém na 4; pode ser que até entenda o quão essencial a preocupação é para aquela, mas, caso esteja verdadeiramente na 4, será preferível outras atividades mais interessantes – e seu interesse logo será dispersado. Uma criança que assista à trilogia do Batman de Christopher Nolan, o achará extremamente monótono; mas, quando adolescente ou adulto, poderá tirar dali lições valiosas. Assim, camadas inferiores não entendem as preocupações das superiores – elas parecem besteiras ou, no máximo, desinteressantes.
Isso muda quando invertemos a situação. As pessoas mais velhas, embora reconheçam as necessidades do momento, as quais as pessoas mais novas precisam passar, sabem a hierarquia que tais valores possuem quando associados a valores mais altos. Temos, então, nas camadas os seguintes valores: moral inferior, intelectualidade, moral superior e espiritualidade. Um indivíduo pode manifestar esses valores em qualquer fase da vida, mas eles possuem camadas próprias aos quais precisam ser manifestadas – onde são percebidos com maior intensidade que os demais. Com isso, temos a conclusão: apenas pessoas de determinadas camadas – com as suas preocupações e aflições pertencendo a sua personalidade – tem meios de formarem outros valores.
Uma pessoa de camada 7 não pode formar – intelectual, literária, filosófica, teológica ou imageticamente – pessoas para alcançarem as preocupações, e praticarem ações, da camada 9. Seria o mesmo que dizer que uma criança de 4 anos poderia dar um curso de como um pai de família deve portar-se para ter uma personalidade que seja admirável no seu ambiente de vivência. Os absurdos têm valor educativo para mostrar, e demonstrar, a qualidade ou impossibilidade de uma ideia; podemos exemplificar isso no modo como conduz Mário Ferreira no seu “alguma coisa há”, ou como Carvalho prefere: “algo há”. Seria absurdo caso alguém tentasse refutar isso, pois deve haver algo para confrontar a afirmação de que algo há. Os Absurdos podem servir com fins educativos, mas também podem ser usados para destruir o senso de hierarquia que a realidade coloca como necessária.
Podemos citar, como exemplo, uma pessoa qualquer que destaque a importância de sairmos das redes sociais, dedicar mais tempo a leitura de qualidade com temas centrados na filosofia e teologia, ou mesmo educar e formar o nosso conjunto de possibilidades – conhecido como imaginário. Muitas vezes, tudo isso é considerado sendo de extrema importância a quem deseja ser intelectual, ou ter a tão conhecida vida intelectual. Dissemos que esta categoria de vida não é para todos – e Olavo destaca que a maioria das pessoas tem o seu ciclo de vida completo até a camada 8, onde a síntese da sua personalidade estará completa. Portanto, é necessário que a pessoa tenha uma resistência a essa categoria de conteúdo antes que ela se dedique ao seu estudo e apreensão.
Constatamos que, geralmente, ocorre dessas mesmas pessoas – as quais vendem cursos prometendo ensinos da vida intelectual – não praticarem aquilo que aconselham. Observamos súplicas e exigências para que as pessoas larguem temas políticos, de modo que isso deixe de ser o centro das suas preocupações; contudo, ainda realizam entrevistas com políticos e divulgam notícias sobre acontecimentos desse cunho. Estejam tais pessoas cientes, ou não, o uso desse modo de transmissão de informações são estímulos contraditórios. Apesar do termo lavagem cerebral não ser, de forma alguma, adequado a essa categoria de fenômeno, temos, a nosso favor, Olavo em seu “Jardim das aflições” – onde temos a descrição estruturada dos métodos usados para realizar o fenômeno ao qual o termo se refere.
“As conclusões dessas pesquisas podem ser ordenadas numa seqüência simples e contundente:
1. Pode-se mudar a personalidade e as convicções de um homem levando-o ao esgotamento resultante da estimulação contraditória (Pavlov).
2. Uma vez produzida uma descarga emocional por esses meios, a mesma reação pode ser repetida mediante estímulos cada vez mais fracos. A pessoa submetida a esse tratamento torna-se dócil, crédula e dependente (Sargant).
3. A estimulação contraditória pode ser produzida por meios subliminares, sem que a vítima se dê conta do que se passa (Bandler e Grinder).
4. A técnica pode ser aplicada simultaneamente a todos os membros de uma coletividade, desde que se sintam cortados de suas raízes sociais e afetivas (Conway e Siegelman). Os resultados serão mais rápidos do que no indivíduo sozinho.
5. O fator decisivo é o controle planejado do fluxo de informações, que pode ser realizado à distância (IBM)“. [1] DE CARVALHO, Olavo. O Jardim das Aflições: De Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. 3. ed. [S. l.]: Vide Editorial, 2015.
Segundo Farias Brito “O estudo do universo apresenta-se sob a dupla consideração do mundo objetivo e do mundo subjetivo. O primeiro resolve-se em fenômenos físicos ou mecânicos; o segundo, em fenômenos psíquicos ou metafísicos; e todo aquele que quiser abraçar em suas investigações o conjunto da natureza, deve procurar uma explicação tanto para uma, como para outra destas duas ordens de fenômenos”. [2] DE FARIAS BRITO, Raimundo. Finalidade do mundo: estudos de filosofia e teleologia naturalista. Brasília: Edições do Senado Federal, 2012.
Trazendo a observação de Brito para a nossa análise, temos primeiramente a ideia de fenômenos físicos ou mecânicos, que podemos colocar como sendo pessoas de camada 7 – e algumas raras vezes 8 -, produzindo uma moda de cursos, onde estes prometem levar seus alunos a ter responsabilidades, deveres e obrigações da vida intelectual; porém, como vimos anteriormente, incapazes de realizar tal feito – além dos fatores mencionados sobre manipulação, usados descontroladamente nas redes sociais. Na questão dos fenômenos psíquicos, ou metafísicos, temos então a teoria das 12 camadas – onde Olavo destaca a ideia de que ela é mais uma concepção de fatos do que uma teoria propriamente dita.
Como o conjunto da natureza, temos, então, pessoas que prometem determinadas coisas para os seus assinantes, contudo são incapazes de levá-los a essas mesmas coisas. O que lhes resta, então, é usar dos meios citados no Jardim para, devido ao amortecimento da consciência, levar as pessoas a acreditarem que podem se tornar intelectuais, e a enxergar certos indivíduos – cujas preocupações são banais se comparadas com o valor da verdade – como Professores e Mestres. Temos a situação onde pessoas de camada 7 e 8 buscam iludir o seu público – indivíduos de camada 4 a 6 – a almejarem a integração da sua personalidade a 9; isso soma-se à intensa frequência de publicações, e postagens, em redes sociais de conteúdos de camada 7 – aos quais fingem ter a carga das aflições de camada 9 – , formando um ambiente com bastante similitude a indústria cultural de Adorno e Horkheimer; podemos, portanto, usar de suas análises para criticar esse ambiente.
O termo “Indústria Cultural” foi usado pela primeira vez no ensaio de Horkheimer “Arte e cultura de massa”, e data de 1940. Nesse ensaio, o autor criava ligações entre o modelo empresarial de produção e a cultura que estava sendo criada até então. Esse conceito foi, então, amadurecido, e teve o seu mais pleno desenvolvimento no livro “Dialética do esclarecimento”. A ideia de indústria cultural é resultado de um esforço considerável, desses intelectuais, para criar uma elaboração teórica sobre como ocorre as relações entre a modernidade e a cultura – modernidade essa sendo fruto de uma dialética trágica entre as promessas que um mundo governado pela razão traria, com as consequências trágicas que dela veio.
No pensamento criado a partir das concepções iluministas, a busca pela liberdade, igualdade e a fraternidade foram desmanchados no seu próprio auge – o Grande Terror, como ficou conhecido pelo uso de guilhotinas. Assim, no século XIX os homens trabalhavam 16 horas por dia; já com a chegada da primeira guerra, temos a ascensão dos regimes totalitários. Para os dois autores, devido às vivências das Grandes Guerras, o aumento da técnica não lhes dava otimismo. Para ambos, isso significava que, caso técnica e cultura fossem pólos das realizações humanas, a técnica estava transformando a cultura – ela própria virava o produto. Com isso, onde as pessoas da época, e em parte as de hoje, contemplavam a disseminação do conhecimento como liberdade, esses dois pensadores constataram elementos de dominação.
Quando as produções da mente se organizam segundo critérios técnicos, estes a dominam – e temos, então, a forma que dará origem à indústria cultural. Quando considerado vulgarmente, esse termo pode parecer ser aplicado a quase todos os meios que nos cercam – como jornais, redes de comunicação, criadores de conteúdo -, sendo praticamente impossível dizer que, de algum modo, não estejamos cercados disso. Nesses meios, temos o incentivo apenas de fórmulas as quais dão resultados lucrativos – e o artista que deseja ser criativo encontrará um espaço bastante ínfimo para atuar. Como o lucro é o foco central, o risco de perder a clientela é muito grande; o resultado são fórmulas, e modelos, aos quais se sabem já dar certo, em detrimento da espontaneidade que possa surgir.
Podemos citar, como exemplos, a ideia de celebridades da moda – as quais aparecem e somem -, músicos produzidos industrialmente – onde, em uma semana, alça o sucesso por aparecer na TV, e, na outra, poucos se lembram dele. Nesse sentido, o modo compartimentalizado com que a cultura é tratada, em nada difere de uma loja de salgados. Podemos observar como isso ocorre, recorrendo a uma ampla visão de como a cultura era formada. Conhecida como alta cultura, ela era criada pelas Universidades e academias de belas-artes; a cultura popular, com os seus contos, lendas, mitos, narrativas e interpretações simbólicas eram associados a sociedade rural – que, apesar de não possuírem uma instrução formal, possuíam criatividade o bastante para produzir símbolos os quais se tornaram narrativas tradicionais.
Entre a alta cultura – a qual podemos representar como sendo uma sinfonia -, e a cultura de massas – como grupos ou cantores colocados pela mídia -, temos ainda uma terceira forma: a decomposição dos elementos pertencentes a alta cultura em elementos fundidos a aspectos da massa – tornando-os, assim, formas simples, e de fácil apreensão. A essa nova categoria de cultura média, é dado o nome de midcult. Podemos afirmar que estamos perante a midcult quando vemos conceitos – aos quais deveriam ser de cultura de massa – serem apresentados como alta cultura. Assim sendo, a artimanha da midcult é apresentar cultura de massa como se fosse alta cultura.
Para os assuntos que criticamos, vale a seguinte explicação: a filosofia de Mário Ferreira dos Santos está naquilo que ele chamou de “A Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Culturais e Sociais”; curiosamente, diferentemente de outros filósofos, a obra, composta por mais de 50 livros, sempre se refere a si mesma – com trechos de livros que ainda não haviam sido escritos na época, ou seja: a ordem de leitura é essencial para quem quer entender o que ele produziu. A Teoria Geral das Tensões, penúltimo livro da série 3, é constantemente referida nos primeiros livros da série 1, os conceitos utilizados nos três primeiros livros são explicados no quarto – ou seja: para uma compreensão plena da experiência filosófica, são necessárias duas leituras da Enciclopédia. Temos, portanto, na obra de Mário Ferreira, uma obra de arte através da qual podemos aceder ao melhor que a humanidade criou em questões filosóficas, culturais e sociais – a alta cultura da humanidade na antiguidade, na época medieval e na modernidade.
Como já explicamos, a midcult é a cultura do meio, uma cultura de massa promovida como alta cultura – algo como pegar músicas que as massas adoram, como Roberto Carlos, e colocá-las para tocar orquestras sinfônicas, afirmando que isso é alta cultura. No caso da filosofia do Mário, para transformá-la em midcult, seria preciso ignorar a importância da ordem de leitura – que tanto o autor quanto a obra impõe -, apontando aspectos não essenciais – como as questões sociais propostas na série 2. A filosofia do Mário Ferreira é uma síntese entre a Escolástica e o Pitagorismo; quem quiser conhecê-la deve conhecer os dois em profundidade; é exigido ter um caos de saberes, ao qual, para transformar essa desordem em cristal, permita a obra ser como um reagente.
Tratar apenas dos aspectos políticos e sociais, existentes na obra, sem enfatizar a importância dos números – o sentido profundo que eles possuem e servem de princípio organizador e sistematizador – , significa tratar o mais importante de nossos filósofos como midcult, tornar de massa o que deveria ser para pessoas as quais querem se dedicar à 9.º camada – pessoas que usam, e trabalham, a personalidade intelectual para tentar aprender não aspectos aleatórios, mas sim os aspectos essenciais da obra. Não ver a obra como um artefato de nível 9 significa usá-la agora – enquanto os tempos favorecem seu uso – , e abandoná-la – quando não atende mais aos propósitos para os quais se esperava.
O trabalho de Mário Ferreira, nas mãos de pessoas que não integradas completamente à camada 9, significa aquilo que Pierre Bourdieu chama “mercado de bens simbólicos” , onde a alta cultura se modifica para se tornar uma cultura fast-food – no nosso caso, um artefato que atende as expectativas pragmatistas, mas que, quando descobrirem o seu verdadeiro sentido, será abandonada como sendo sem valor. Não são mais admitidos temas profundos, e importantes, para as pessoas que desenvolveram a sua camada intelectual, mas sim apenas assuntos dos quais interessem às camadas 6, 7, e, quando muito, 8 – tornando-se, assim, passíveis de serem publicadas e de aderirem a uma audiência considerável. Ao público, é reservado apenas conhecer vanguardas artísticas e criações de cultura de massa.
No meio da diversidade, o que existe são apenas padrões, uma ilusão coletiva de diversificações criadas com o propósito de estimular cada vez mais a venda de determinadas pessoas ou produtos. Nesse ambiente, a auto referenciação é constante – pessoas que adquirem certa fama são convidadas a assumirem programas, ou realizarem entrevistas. Da mesma forma que um personagem secundário – quando admirado por muitos – ganha séries ou filmes próprios, pessoas excêntricas – as quais nada conhecem em profundidade – tornam-se, através de uma exposição que, no fundo, é indigna, meios de aumento das visualizações.
References
↑1 | DE CARVALHO, Olavo. O Jardim das Aflições: De Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil. 3. ed. [S. l.]: Vide Editorial, 2015. |
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↑2 | DE FARIAS BRITO, Raimundo. Finalidade do mundo: estudos de filosofia e teleologia naturalista. Brasília: Edições do Senado Federal, 2012. |