Em “A alienação das elites brasileiras”, podemos ver os graves efeitos que o nominalismo causou. Oliveira Viana denuncia, a partir de vários aspectos, as elites intelectuais, que, buscando em outras sociedades, ignoram a cultura de seu povo. Camilo concorda com a tese de que os governos, e as instituições, do Brasil, são feitos com base em um povo imaginário, e não no povo real. É como se o Estado, ao invés de nascer do povo, fosse considerado um ente estranho a nós. Essa “doença” das elites é tão poderosa que até mesmo quem as documenta, as faz com métodos que são estranhos à situação brasileira. Em “Pequena anotação sobre o espiritismo”, Camilo faz algumas abordagens sobre a questão espírita no Brasil. Podemos dividir essa parte em três temas: o primeiro é: por que havia um crescimento tão intenso da doutrina espírita no Brasil? – principalmente nas regiões costeiras, como no Rio de Janeiro. As explicações podem ir desde o fato de que doutrinas materialistas, positivistas e agnósticas, começaram a entrar em circulação no meio do povo, e, este, por não desejar a anulação do mistério que é a vida e a morte, adere a alguns dos seus preceitos.
O segundo tema é a facilidade com que o espiritismo aceita determinados pontos morais que, para as Igrejas Católicas e Protestantes, são inaceitáveis – como questões sexuais. O terceiro tema trata sobre as diferentes formas de espiritismo praticados; haveria, por assim dizer, duas categorias de espiritismo – praticados por duas classes sociais: a de pessoas mais letradas e de classe média – com uma influência mais oriental, que vai desde a Índia até o Japão, e outra de origem mais africana. Sempre que algum brasileiro mais letrado fala sobre a história do Brasil, fala-se ou de modo a depreciar o nosso passado, ou de modo a exaltar determinados motivos (como, por exemplo, a Amazônia).
Dentro desse cenário, Oliveira evoca a fala de um autor muito questionável, mas que nesta questão possui muita razão: “Disse Marx que devíamos deixar de interpretar o mundo, passando a reformá-lo. Nós, brasileiros, devemos deixar de criticar o Brasil, mas começar a construí-lo. Ou a reconstruí-lo. O que tem dominado, no Brasil, é exatamente a infravalorização do passado, a atitude de crítica, de “denúncia”, no sentido marxista do termo“. [1] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 200 – 201 O pessimismo brasileiro tem sempre nos conduzido a resultados decepcionantes. Essa situação de instabilidade faz com que o Brasil confunda a crítica a “autoridade” com a crítica ao “poder” – resultando na impossibilidade de criar de um sistema que prezasse pela lei, liberdade e justiça.
O capítulo V trata sobre a formação econômica do Brasil. Nele, vemos primeiramente algumas características dos primeiros exploradores que aqui chegaram – qual o real motivo de terem usado o trabalho escravo e como se deram os efeitos dessas escolhas de conquista da terra brasileira. Caio Prado Júnior também é bastante citado; suas contribuições e análises, sobre os problemas estudados por Camilo, são bem pertinentes – de forma que não dá para discordar das suas conclusões com relação à forma de exploração da cana-de-açúcar. Pode-se dizer que o Brasil império possuía um drama intrínseco a qualquer forma de governo imperial. Roma torna-se um exemplo obrigatório nesse sentido, pois, devido a seu imenso território, ocorria de muitos povos não se identificarem como pertencentes ao império – com o passar do tempo, essa crise se acentuou tanto que as instituições romanas perderam a sua razão de ser.
Império e liberdade são parte de um problema de extrema solução, mas afinal: seria o Brasil um império ou uma nação? “O Brasil talvez seja o único caso em que o império, a nação, o Estado e o corpo político e povo sejam conceitos cobrindo rigorosamente as mesmas realidades. É o único império a ser uma única nação“. [2] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 233 Já quando o autor fala propriamente das características do poder moderador, podemos dividir a sua opinião em três partes. A primeira é onde ele descreve algumas das configurações e vantagens que o poder moderador possui frente a outros poderes; a ideia do poder moderador é feita a partir de dois itens: a não governabilidade e a neutralidade política – a não ser em situações maiores como em casos de guerra e a manutenção de problemas que podem ocorrer nos outros poderes. A segunda parte é focada em como esse poder foi usado no Brasil de forma a evitar conflitos, tanto sociais como políticos. Por fim, uma menor parte é destinada às consequências – caso o rei tivesse de assumir uma posição neste cenário social.
Podemos dizer que o Brasil imperial sempre possuiu um caráter monárquico. Camilo tem uma preocupação em fazer uma interpretação com base na precisão dos termos, e na situação em que eles são usados – exemplo disso pode ser encontrado quando ele dá uma definição de democracia: ”organização política na qual todos os poderes são sujeitos à lei e que possuem como fundamento e condições de exercício o consentimento dos governados e tem por finalidade o bem comum do povo e limites os direitos naturais do homem. Ou, para adotar uma distinção de Loewenstein, quando os detentores do poder consideram os interesses dos destinatários como a razão de ser de sua ação, e também governam com seu assentimento“. [3] Ibidem Camilo ainda vai dizer que num regime desses não há governo, ou que o governo é exercido pelo povo, pois “o Estado hoje é mais poderoso e absoluto que o dos reis do Direito divino e os governantes, mesmo sem considerar as nações totalitárias, dotados de meios de ação que fariam inveja a um Filipe II; a um Luís XIV“. [4] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 243-244
Camilo parte então para um estudo da formação do universalismo brasileiro. Segundo o autor, três foram os elementos que, de forma simultânea, levaram a construção deste universalismo: “a Igreja Católica, a coroa portuguesa e a mestiçagem, todas, paradoxalmente, conduzindo a resultados semelhantes, para não dizer a um único e mesmo resultado“. [5] Ibidem Seu estudo tem início com os efeitos que a Igreja Católica teve no Brasil. Devido ao nosso passado – tanto aos reis que descobriram e colonizaram o território, como devido aos eremitas -, o brasileiro reconhece o valor do mistério; assim, para o brasileiro, a Igreja é algo universal, logo, ela nos eleva a participar nas experiências universais. O destino dos Braganças sempre esteve atrelado às terras além do Atlântico, pois foi com esse intento que se deu início ao capitalismo monárquico – e, com isso, quaisquer preocupações que Portugal ainda tivesse com índia e África foram abandonadas.
Gilberto Freyre diz que a colonização do Brasil seguiu mais uma linha “cristocêntrica” do que “etnocêntrica”, e, por causa disso, foi possível adotar práticas romanas – que para um europeu racista e orgulhoso seria impossível: “De fato, em certas situações em que as relações ainda se regiam pelos padrões do sistema escravista, ocorrendo, em tempos próximos de nós, o piedoso e pitoresco costume da adoção de apelidos familiares ilustres por fâmulos ou afilhados“. [6] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 255 De fato, a casa de Bragança sempre teve mais súditos além-mar do que em seu próprio território – tanto que, em sua terceira geração, após mudar-se, torna-se a Dinastia do Brasil. Como último ponto a ser ressaltado, apesar dos graves erros cometidos por Portugal em nome do antirracismo, a mestiçagem é algo que deixou marcas significativas em vários aspectos da vida brasileira.
Apesar das incontáveis influências que sofremos, nós temos o nosso próprio modo ser, coisa construída com muito esforço. No Brasil, temos um conhecimento, advindo por experiência própria, das consequências que uma ruptura com o passado pode gerar. Essa característica tem a sua origem no século XVIII sendo denominado por Paul Hazard como “crise da consciência europeia”. Ser culto, na Espanha e em Portugal, significava dar mais valor às conquistas intelectuais de fora do que às realizações da própria cultura. A ideia de que o novo é melhor do que o passado – ou de que as descobertas de Descartes ou Marx seriam melhores ou mais científicas do que as obras em latim dos mestres da Escolástica e do barroco.
Essa situação agrava-se quando: “Bernardo Pereira de Vasconcelos, a melhor cabeça de seu tempo, combateu a criação de uma cátedra de história do Direito nos recém-criados cursos jurídicos, alegando não haver razão para estudar o direito absolutista…” [7] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 261 Deu-se assim umas das características mais dominantes do estudo no Brasil: a predominância de buscar fontes estrangeiras para explicar o passado brasileiro – resultando no impedimento da instauração de uma escola filosófica- politica brasileira. De um lado, pode-se cair facilmente em equívocos e malefícios, e de “outro pode haver um grande bem na questão: a procura de uma filosofia universal, ecumênica, ao invés de estabelecimento de uma filosofia “apenas” brasileira“. [8] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 262
Camilo nos diz que quando pudermos superar essas dificuldades teremos então “condições de formar uma cultura verdadeiramente universal, na qual a tradição brasileira não signifique a presença de um exclusivismo nacional, mas, realmente, a universalização dentro de um estilo peculiar e especificamente brasileiro“. [9] Ibidem O “jeito brasileiro”, apesar de dar ao brasileiro uma capacidade inventiva, que supera a de outros povos, torna-se prejudicial – pois dá a sensação da qual: o que não for feito de uma maneira fácil e rápida será ruim. Enquanto os brasileiros possuem a capacidade de aprender de maneira mais rápida, a longo prazo, porém, nenhuma coisa de valor é construída; em contrapartida, pessoas de outras nações demoram mais para aprender, mas, por terem uma maior concentração e determinação, constroem muito mais. Em suma: devido ao “jeito brasileiro” temos uma noção de como superar dificuldades, mas isso nos causa também um prejuízo gigantesco – pois nos tira a capacidade de aproveitar os frutos do trabalho a longo prazo.
Por fim, Camilo escolhe falar daquilo que ele chama de “materialização do jeito”. Ela tem como característica, tipicamente brasileira, evitar situações que, em outros lugares, facilmente levariam a guerras. Temos como grande exemplo disso o futebol – onde todas as classes reúnem-se em prol da torcida; não só isso; o jogador, desviando-se das incontáveis dificuldades – ao inspirar-se em movimentos que lembram a de um capoeirista -, aperfeiçoa a invenção inglesa do driblei, e consegue assim superar uma série de jogadores. Sobre isso, diz o Camilo que é “ Daí ser possível afirmar que o futebol é a racionalização do jeito, a sua transformação em instituição, a sua oficialização, colocando-o dentro de um quadro mais amplo“. [10] Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo
de Oliveira Torres – 2017. Pág. 273
References
↑1 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 200 – 201 |
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↑2 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 233 |
↑3, ↑5, ↑9 | Ibidem |
↑4 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 243-244 |
↑6 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 255 |
↑7 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 261 |
↑8 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 262 |
↑10 | Interpretação da realidade brasileira: introdução à história das ideias políticas no Brasil – João Camilo de Oliveira Torres – 2017. Pág. 273 |