Questão 1.– Discute-se, pois, sobre o trabalho editorial da Boitempo e o mercado editorial do grupo CEDET. Argumenta-se que, olhando o cenário dos últimos vinte anos, há um salto qualitativo nas publicações do espectro direitista. Frisa-se o fato de que as críticas devem ser feitas, preferencialmente, de modo interno, no sentido de crítica construtiva, porque, ao tornar-se pública, a crítica torna-se um mero combate. Ora, pergunta-se se não estaríamos, sobre certos aspectos, brigando pelas mesmas coisas, com os mesmos interesses e finalidades.
Resposta — Quanto à questão das críticas, é compreensível que entendê-las seja um tanto complicado, já que crítica, no Brasil (sobretudo pela disseminação de uma má compreensão do que é, para a linguagem “marxista”, a crítica), é tomada fora do seu contexto. Logo, a ideia de crítica, para o brasileiro, é algo que está sempre relacionado a uma determinação negativa, a qual, por sua vez, deve ser evitada a todo custo. Todavia, crítica, desde o seu sentido filosófico, é aquilo que Ortega, no seu “A rebelião das massas”, chama de uma “visão radical”. Podemos também recorrer a Mário Ferreira dos Santos e sua terminologia da “crisis”, ou a Miguel Reale e seu “criticismo axiológico”, sendo a crítica, portanto, uma parte da filosofia.
Sendo assim, cabe agora respondermos: por que fazer uma crítica? Quando tecemos comentários críticos foi, desde o começo, pensando em alertar certas questões que estavam ofuscadas ou despercebidas, como, por exemplo, a necessidade da editoração conter notas, as quais remetessem aos assuntos específicos do campo de estudo da obra, bem como a complementaridade do tema a partir dos subtemas das aulas do Curso Online de Filosofia (COF). Já havíamos sugerido que os editores da Vide dessem esse trato na obra carvalhiana, de modo a corrigir as lacunas das citações ou mesmo da aparente falta de unidade de suas problemáticas.
Nesse sentido, chegamos a, até mesmo, alertar a Vide para o fato de que o COF não poderia ser editado da forma como as obras estavam sendo publicadas, advertindo, por sua vez, que ele também não poderia ser publicado da forma como o próprio Olavo o compreendia, isto é, aulas compiladas a partir de sua cronologia. Assim, sempre instituímos a nossa crítica em um sentido positivo. Contudo, a editora dos “alunos” está imersa naquilo que chamamos de “plataforma de mercado”, tendo em vista que ela volta-se para o mercado, e vive por sua lógica – sendo esse o principal problema. Constatamos, então, que não bastava realizarmos uma crítica de auxílio, pois essas editoras não estão interessadas em continuar o legado carvalhiano, no sentido de respeitar a tradição filosófica deixada pelo Olavo, mas sim em plastificá-lo num produto.
Ora, a falta de um trato editorial nas obras anteriores do Olavo não se dava somente pela falta de capacidade acadêmica dos “alunos”, responsáveis pela sua publicação, mas também pelo fato de não se ter uma atratividade, enquanto potencial da necessidade de sua própria demanda, para o mercado. Dessa forma, o estado anterior das publicações eram, em todos os seus aspectos e em todos os seus níveis, mais vendáveis para essa lógica-informacional do que publicações que fossem revisadas, corrigidas, e acrescidas pelo rigor e metodologia acadêmica.
Pois bem, compreendemos que, ao criticarmos de modo interno, estaríamos dando material e munição para aqueles que estavam tentando destruir o que tínhamos por missão preservar, a saber: o legado da Filosofia carvalhiana. Então, a tentativa da editora de plastificar Olavo de Carvalho, tornando-o vendável, deixava claro como não se pretendia honrar o legado filosófico carvalhiano, mas sim realizar uma prática similar a da editora É Realizações, ou seja, apropriar-se do catálogo que foi aberto pelo Olavo, para, posteriormente, entrar em desavença ou desacordo com o seu projeto cultural.
Quando observamos os últimos lançamentos da Vide, podemos perceber que as suas publicações não visam uma vida intelectual voltada para a Filosofia (vale frisar que foi somente no corrente ano, após anos e anos de nossa assídua crítica, que a editora começou a publicar um catálogo mais amplo e importante de Filosofia), na medida em que são totalmente politizadas e voltadas para o mercado – numa tentativa de criar saída dentro de uma lógica de consumo. Por consequência, foi somente após criticarmos, de modo ferrenho, o fato da Vide publicar obras sem uma introdução ou mesmo uma apresentação (via curso ou live), que, no ano passado, a editora passou a adotar, em certos aspectos, uma nova postura.
Assim, a Vide começa a replicar esse processo apenas devido aos efeitos avançados produzidos pela crítica, na medida em que, a partir daquele momento, não havia mais a possibilidade de realizarem apenas uma atuação de mercado, tendo, pois, que apresentarem algo (culturalmente falando). Por isso, criticamos, por diversas vezes, como era possível que os editores do Olavo não tivessem a compreensão (uma vez que ele, em diversas ocasiões, dedicava uma aula exclusiva do COF para apresentar a sua obra publicada, tais como “A consciência de imortalidade”, “O mínimo que você precisa saber”, reedição do “Jardim das aflições”, etc) de que um curso tem a finalidade de circundar a obra.
Ora, os cursos avulsos do Olavo estão, ainda hoje, sem uma transcrição ou publicação (nesse sentido, podemos citar os cursos que datam do nascimento do COF, como, por exemplo, o “Introdução ao Método Filosófico”, de 2008, assim como o “Introdução à Filosofia de Eric Voegelin”, que é de 2009), tendo em vista que eles exigem, devido ao seu objeto, um estudo demorado e complexo, além de um leitor versado e especializado em sua metodologia – o que, por sua vez, não atrai o grande público, porque não permitem uma replicação informacional, isto é, a necessidade da qual o produto demanda.
Seria, pois, ingenuidade acreditar que as obras carvalhianas, organizadas com correção acadêmica, teriam, por exemplo, leitores que conheceram Olavo de Carvalho através de suas redes sociais (Facebook e Youtube), que o consideram uma espécie de escudo protetor contra a situação política atual, ou mesmo aqueles que o veem como um “bom pastor” pelo qual podem ser conduzidos de volta a Igreja. Ora, esses tipos de públicos não têm interesse na obra “aristotélica” de Olavo, já que ela é, de modo estrito, uma problemática específica de sua filosofia, a partir de outra filosofia.
Essas são questões que a editora entende e compreende bem, não tendo, pois, interesse nesse tipo de estudo ou publicação. Em vista disso, vimos que era necessário realizarmos uma crítica, no sentido radical da palavra, assim como da conotação dada pelo Olavo, ou seja, o trabalho do negativo, de modo a retirar os farsantes intelectuais do ambiente público atual. Pois bem, é aqui que se dá nossa divergência. A farsa atual não é a farsa acadêmica (embora ela possua sim os inúmeros problemas que foram criticados pelo Olavo), mas sim o ambiente imbecilizante que cercou o Olavo (isto é, o grupo de “olavistas”).
A farsa intelectual do ambiente público atual é, pois, o alunato que comanda e tem direito sobre o processo de publicação da obra carvalhiana, posto que, ao invés de publicarem os filósofos que influenciaram a Filosofia carvalhiana – realizando trabalhos com linhas e temas carvalhianos, formando pesquisadores, abrindo campos de sua Filosofia -, eles estão publicando livro de Bolsonaro, livros sobre nova direita, livros do Peter Kreeft sobre como ser santo (um manual no qual ensina que “ter filhos é ser santo e salvar o Ocidente”), livro manualesco de James Burnham (de fazer vergonha ao Manifesto Comunista) tratando o declínio da política norte-americana, causada pela “esquerda doutrinária”, como um “declínio do Ocidente”, ou mesmo livro de Daniel Lopez, que é um youtuber sensacionalista da pior espécie (nesse sentido, o seu novo título, “90 segundos para o apocalipse”, é uma publicação bem exemplificativa).
Desse modo, a crítica tinha que ser negativa, corrosiva, no sentido de ir na radicalidade da coisa, tendo por finalidade colocar a editora diante de um ponto tão insustentável que ela mesma dissesse: “teremos que fazer alguma coisa, pois não está dando certo, e os leitores estão cobrando, porque estão vendo o que estamos fazendo com Olavo, de modo que seremos obrigados a, pelo menos em alguns aspectos, realizarmos algumas modificações”. A crítica deveria, então, retirar a visão de que os “alunos”, responsáveis pela obra carvalhiana, são estudiosos sérios do Olavo, de modo a mostrar que o trabalho que a Vide vinha realizando, ao longo dos últimos anos, era uma brincadeira de mercado.
A crítica tinha, pois, que ser feita de forma pública, estruturada e planejada para corroer um sistema intelectual que estava sendo posto por um sistema plataformizado, por uma intelectualidade que acredita que a lógica de mercado é o que comanda a cultura, e que a vida se dá pelo mercado (o qual, por consequência, estava tornando a filosofia do Olavo uma farsa, um produto). A crítica tinha que ser pública para retirar o estado de (in)consciência atual do ambiente público, ou seja, para retirar as pessoas da letargia, sobretudo para equacionar o horizonte dos inúmeros trabalhos que foram pedidos pelo Olavo, mas que não foram apresentados pelos alunos, devido a rejeição, por parte da editora, de pesquisas (já que não são demandas para a lógica de mercado) as quais eram consideradas acadêmicas, rigorosas ou científicas demais. Então, todas as pesquisas que foram solicitadas pelo Olavo (as questões sérias da alta cultura) estavam sendo colocadas nos escombros do mercado, nos escombros das publicações que a editora entendia como sustentável, a qual, em contrapartida, colocava-se no ambiente público como a “casa de Olavo de Carvalho”.
Tendo em vista essas contradições, constatamos que uma crítica deveria ser feita, visando, pois, ir ao cerne da questão: retirar o público da letargia, de modo que o próprio ambiente público pudesse cobrar a editora. A intenção de uma crítica pública é, pois, corroer a percepção que a editora havia causado no público, ou seja, a percepção que o meio farsante havia ocasionado, até o ponto em que o próprio público tivesse condições de dizer: “onde estão os cursos do Olavo? Onde estão as transcrições? Vocês estão lançando algumas obras, mas não tem um trabalho que apresente o que Olavo está fazendo, não tem uma nota. Na obra, Olavo menciona tal autor, tal assunto, e não tem um estudo que faça uma linha investigativa do assunto do qual ele está falando. Será que quando Olavo está citando Gramsci, ele está o citando de fato, ou fazendo uma paráfrase?”.
Ora, quando Olavo falava em muralha de livros, isso não dizia respeito a tradução de obras, mas sim a uma produção original de pesquisas, de trabalhos documentais sobre os acontecimentos dos últimos anos (como, por exemplo, a história do comunismo no último século, a história das grandes famílias metacapitalistas, de como elas atuam no Brasil, como houve uma modificação da própria família brasileira, desde a década de 70 até hoje, etc). Mas onde estão esses trabalhos? Quando alguns poucos pesquisadores tomam coragem de se enveredarem por esse árduo caminho de pesquisa, e decidem apresentá-los para publicação, as próprias editoras não os aceitam, já que isso não é um assunto interessante, isto é, não tem demanda para a grande massa.
O nosso interesse tem que ser pela alta cultura, pelo legado filosófico de Olavo de Carvalho, de modo que ele seja independente e sobrepujante ao mercado. Esse interesse tem de considerar que não importa se a publicação dará prejuízo, se ela não terá saída financeira, ou se não será vendável. Como Olavo dizia: trabalha-se pela cultura não para se ter ganhos financeiros, mas para que, daqui a 30, 40, 50 anos, possa se abrir a possibilidade de uma mudança nas forças históricas atuantes. O trabalho cultural não é feito para que os “alunos” coloquem dinheiro no bolso, ou mesmo para sustentarem o lucro de publicação da editora.
Assim, o nosso interesse não pode estar coadunante com o da Vide, simplesmente porque o nosso interesse é a alta cultura, isto é, um sacrifício devocional em prol da cultura brasileira, coisa que, infelizmente, a editora não faz e não quer fazer. Então, a crítica vem nesse sentido. Ela tem que ser corrosiva (tem de ser pública) para poder retirar essa inconsciência do ambiente público.
Questão 2.– Discute-se, pois, que os estudos de Ronald Robson são um trabalho brilhante. Afirma-se que o espectro político de esquerda no Brasil, culturalmente falando, é amplo, mas que não se deve perder de vista que, embora os marxianos tenham profundidade em sua área, eles são superficiais nos demais setores culturais. Argumenta-se, então, que, caso haja um debate contra um intelectual mais sólido, os marxianos não se sairiam tão bem.
Resposta – Cita-se, na questão, um ponto crucial para a discussão. O Ronald Robson é, ao nosso ver, se não o principal, um dos principais alunos do Olavo. Como diz-se, ele abriu uma linha de estudos que, no sentido de compreensão da Filosofia carvalhiana, é fantástica. Contudo, ao contrário do que afirma-se, a intelectualidade marxiana jamais seria, ainda que o debate fosse sobre assuntos externos ao seu movimento, derrotada por um de nossos intelectuais – mesmo que o debatedor fosse o próprio Ronald.
Os estudos “especializados”, como coloca-se, permitem que a intelectualidade marxiana tenha não só o domínio de sua área, mas da própria pesquisa. Por isso, eles conseguem, quase sem esforço, superar aquilo que chamamos de “intelectualidade plataformizada”, ou seja, uma intelectualidade que vive por produtos, os quais têm sempre de modelar um desejo no grande público. Peguemos, ainda no exemplo de mestres e intelectuais superiores, o caso do Ronald. Olavo de Carvalho pode ser considerado aquilo que denominamos por mestre (no primeiro vídeo de nosso canal do YouTube [1] Jornal Cidadania. O domínio hegemônico da produção cultural marxiana. Youtube, 26 Ago. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=elj_xJmyMu4&t=749s , explicamos um pouco melhor a temática), enquanto o Ronald seria um intelectual superior. Vamos, a título de exemplo, pegar os grandes clássicos do pensamento “marxista”.
Teremos, então, Jacob Gorender, Octavio Ianni, Ciro Cardoso, Décio Saes, Caio Prado Júnior, José Chasin, etc. Caso se pegue a leva dos mestres atuais da intelectualidade marxiana, tem-se, por exemplo, a Ester Vaisman (que foi aluna do Chasin, e que comanda, atualmente, a Verinotio [2] Ver: https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio , uma revista em homenagem ao Chasin, com anos de publicações em estudos chasinianos), a qual foi orientadora do mestrado de Rubens Enderle (aluno do Olavo), sendo responsável, nas palavras da Ivana Jinkings, dona da Boitempo, por levá-lo para dentro da editora.
Quando se verifica as publicações da Ester, assim como suas palestras, aulas e orientações de mestrados e doutorados, observa-se que ela continua o método de seu mestre (Chasin). Por isso, suas produções não são voltadas para o grande público, ou mesmo para introduzir o Chasin, no sentido mais banal do termo (isto é, a leitura interminável de obras introdutórias e resumidas para que se possa ter, então, o contato com o autor mais amplo). No caso, pois, da Ester, quer-se formar pesquisadores dentro da linha chasiniana.
Ora, é inegável que a obra do Ronald é um primor, e, por isso mesmo, deveria continuar a linha de investigação carvalhiana, ou seja, formar, a partir dela, estudiosos. Mas o que o Ronald faz? Lança um curso não em cima da obra que ele mesmo produziu, ou seja, a obra tomada como eixo central pelo qual o novo estudioso poderia descobrir elementos da Filosofia carvalhiana (enquanto continuidade daquele legado de pesquisa), mas sim em cima de uma “introdução” (no sentido banal do termo) à filosofia do Olavo, em que as aulas são apresentações de temas da “Nova Era”, “Jardim das aflições”, e assuntos afins, sem jamais aprofundar qualquer investigação de sua pesquisa pregressa (do “conhecimento por presença”).
Assim, Ronald, ao invés de subir os degraus da escada, desce o nível e grau do tema. Ele publica uma obra, com mais de 500 páginas, puxando uma linha de pesquisa carvalhiana, ordenando uma Filosofia totalmente confusa, mas, ao invés de trabalhá-la enquanto desenvolvimento de uma pesquisa para formar pesquisadores (dentro do espectro carvalhiano), desce, via produtos, a sua produção para a massa, para a pessoa que nunca entendeu Olavo de Carvalho – e é preciso acentuar que essa não é a função de um intelectual deste nível.
Outro exemplo que poderíamos citar seria o da Fundación Xavier Zubiri, onde Diego Gracia [3] Ver: https://nuevo.zubiri.net/seminarios/ , que foi aluno direto do Zubiri, desenvolve cursos (desde Antropologia, Gnosiologia, Biologia, História, Ética, Estética, etc) investigativos dentro da linha zubiriana, os quais não são para o grande público, mas sim para formar estudiosos nessa tradição filosófica. Ou seja, a Fundación Zubiri quer formar os temas para pesquisas da filosofia zubiriana, e não para que o público conheça a pessoa do Zubiri, como é o caso, por exemplo, do Seminário de Filosofia e sua intenção declarada (nos seus emails e divulgações de posts) de “fazer o Olavo ser conhecido”, de modo a levá-lo “para mais e mais pessoas”.
Uma vez que há uma plataformização intelectual, isto é, a identificação da consciência do intelectual com os produtos-informacionais, o próprio Ronald tem um decréscimo de consciência, no sentido de que acreditar, verdadeiramente, que uma de suas funções é “introduzir” o Olavo para o público (chegando, aliás, ao absurdo de publicar obra, se é que se pode chamar aquilo de obra, no “selo mínimo”). Ora, ele publica, como já mencionado, uma pesquisa que tem mais de 500 páginas, mas não somente não dá continuidade aos seus campos de discussão, organizando novos temas, avançando a obra carvalhiana (a qual, como sabe-se, é vasta, complexa e espalhada), de modo a liderar a vanguarda carvalhiana, como também publica selo mínimo de 30 páginas (em tamanho normal).
Então, o que vem acontecendo com a nossa intelectualidade e com a editora que se chama “a casa de Olavo de Carvalho”, é absurdo, ao ponto de podermos chamar o quadro de “Imbecilidade Coletiva da direita”, tal como Olavo a definiu: pessoas de inteligência normais ou superiores que reúnem-se para imbecilizarem-se umas às outras. Outro caso a ser citado, como quadro de comparação, é o estudo “Brasil e o capital-imperialismo” [4] Fontes, Virgínia. Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. 2.ed. Rio de Janeiro: EPSJV/ Editora UFRJ, 2010. , da marxiana Virgínia Fontes, que toma os estudos leninianos, gramscianos e marxianos para analisar o que chamou de “Aparelhos privados de hegemonia das entidades filantrópicas”, que nada mais é do que uma continuação da linha de pesquisa legada pelo seu mestre Ciro Cardoso (o qual foi um grande intelectual “marxista”).
Ainda na intelectualidade marxiana, o Ricardo Antunes não só criou, basicamente, a teoria da plataforma, da uberização, mas também trouxe Marx ao século XXI. Antunes era, por sinal, amigo pessoal de István Mészáros (o qual, diga-se de passagem, Olavo confrontou, muito embora suas críticas tenham se direcionado mais aos seus comentários “geopolíticos” do que propriamente a sua produção e obra, como, por exemplo, o “Para além do Capital”, de mais de 1.100 páginas), que, por sua vez, foi aluno de Georg Lukács. Ademais, Antunes foi aluno do Décio Saes, um autor clássico com vastos estudos sobre a República do Capital [5] Saes, Décio. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001. (um estudo sociológico sobre o desenvolvimento do capital perante a forma do Estado brasileiro), sendo, pois, um dos maiores sociólogos e formador de sociólogos do país. Assim, estamos falando de intelectuais que continuaram aquilo que os seus mestres legaram, e não de pessoas que estão “introduzindo” conteúdos para o grande público.
Enquanto isso, a nossa intelectualidade, ao começar um estudo, ao invés de voltar-se para o próprio estudo, para formar pesquisas carvalhianas, assim como pesquisadores capazes de levar adiante esse espectro carvalhiano, pouco importando se o público irá ou não comprá-la, acaba se limitando pelo mercado e pelo grande público (pela sua possibilidade de compra e potencial vendável). Todavia, temos de ter claro qual o nível e grau do discurso do Olavo, desde a sua tensão e contradição, porque, ao mesmo tempo em que dizia “os marxistas são burros”, ele afirmava “são os meus alunos que devem realizar esses estudos. Eu vou fornecer uma bóia para que vocês entrem no oceano da bibliografia marxista, e eu vou puxando essa boia para fora, até o momento em que vocês cheguem num nível no qual não precisem mais da bóia ou de minha ajuda” (Todas essas citações são paráfrases da aula 171 do COF).
Em algumas aulas do COF (como, por exemplo, a 547), Olavo elencou o fato de não ter atingido esse tipo de estudo, visto que só teria pego a primeira leva de intelectuais, ou seja, a leva pública (como, por exemplo, a Marilena, o Leandro konder, o Alaôr Caffé, etc), mas não a leva de intelectuais que estavam trabalhando “escondidos” na própria academia, aos quais estamos, em nossos estudos marxólogos, trazendo à tona. Assim, Olavo não tinha conhecimento da produção das pesquisas de Virgínia Fontes, Ricardo Antunes, Marcelo Carcanholo, Sergio Lessa, Ivo Tonet, Eleutério Prado, José Chasin, e, até mesmo, do José Paulo Netto (uma vez que seus posts de Facebook não fazem estudos da obra e produção nettiana). Neste sentido, temos de, ao ler ou escutar Olavo, puxar a contradição que permeia a sua questão, e não dar um status absoluto a certos exageros, alegorias e metáforas das quais ele fazia uso.
Vê-se que, por exemplo, Alysson Mascaro, quando analisa situações fora de sua área, comete, de fato, impropérios (podemos citar o caso de denominar Reale como positivista ou mesmo de dizer que é de esquerda quem defende as minorias oprimidas e luta por justiça), mas, mesmo nessas situações, ele tem, ao contrário da nossa intelectualidade, estudos da obra realiana. Ademais, os intelectuais marxianos não só estudam Guerreiro Ramos (um dos maiores sociólogos brasileiros, sendo um dos alunos do Instituto Voegelin, além de ser um autor que contava com a mais alta admiração do Olavo), como são, no momento, os únicos que reeditam a sua obra (caso, por exemplo, da Editora Zahar e Enunciado Publicações).
Por isso, o horizonte de consciência da intelectualidade marxiana, embora sofra uma grande limitação, os capacitam para enxergarem campos mais amplos do que a nossa intelectualidade, visto que mesmo intelectuais superiores, como Ronald Robson, não tem um horizonte suficiente para entenderem que as suas obras são as “chaves” que fornecem e destrincham as problemáticas carvalhianas, as quais estão incompletas, obscuras, ou, como dizia Olavo, “voando soltas”.
References
↑1 | Jornal Cidadania. O domínio hegemônico da produção cultural marxiana. Youtube, 26 Ago. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=elj_xJmyMu4&t=749s |
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↑2 | Ver: https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio |
↑3 | Ver: https://nuevo.zubiri.net/seminarios/ |
↑4 | Fontes, Virgínia. Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. 2.ed. Rio de Janeiro: EPSJV/ Editora UFRJ, 2010. |
↑5 | Saes, Décio. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001. |