Passemos para um outro tópico mais emblemático: a confiança humana. Já escrevi um pequeno trabalho descrevendo como a essência da vida humana é a confiança uns nos outros. Mas as pessoas, ao se depararem com esta informação, tendem a considerar esta confiança como um espírito idealístico e “romantizado”. Não, a base real da convivência humana é a confiança, que é até mesmo superior a própria realidade dos fatos concretos, pois, caso levássemos em conta as vezes em que a confiança nas relações fora quebrada – e isto deveria servir de exemplo para que o ser humano jamais confiasse em outro -, não haveria mais sociedade em pé.
O homem, normalmente, confia no outro sem titubear, e, quando não confia, deixa de confiar em um ser humano em específico. É normal confiar no outro, e é anormal não confiar. Ou seja: o problema que paira nas relações humanas é a tensão de confiar e não confiar no outro. Quando caminhamos pela rua, não acreditamos que cada carro – que vai passar por nós – tem a intenção de nos atropelar. Quando entramos na fila da padaria, não tememos que alguém chegue por trás e simplesmente nos dê uma facada.
O caminhoneiro não viaja pela estrada temendo que um homem atravesse de repente à sua frente para se matar – ou ainda, não viaja temendo que as placas de sinalização indiquem outra coisa que não aquilo que está sugerindo. Quando vamos trabalhar no mercado, não cremos que alguém pisará os pés lá dentro para fazer greve de fome. Quando um homem se casa com uma mulher, não se casa esperando que ela vai, no outro dia, abandoná-lo para seguir sua vida sozinha.
Quando o filho percebe a vida de seus pais, jamais se questiona se eles vão abandoná-lo na escolinha para nunca mais voltarem. Quando há desconfiança, é porque algo não está normal no íntimo de um ser humano, em específico, perante uma realidade concreta específica. Tudo isto evidencia o que antes estava oculto, quer dizer: todo um arcabouço de realidades que ignoramos, mas que lá estão presentes. Pois bem, a Confiança na convivência humana é uma destas realidades, assim como a Memória do Mundo é outra.
Desta realidade ignorada, o homem é o único ser capaz de dar-lhe voz, e isto é o que distingue o homem de todos os outros seres dotados de matéria: nenhum deles pode falar o que aconteceu, nem o que acontecerá – muito menos o que poderia acontecer. O homem é o único que pode encontrar vestígios do que jamais testemunhou no tempo, e, mesmo aí, ele se torna testemunha de outro tempo – atualizando, por meio de seu intelecto e de sua linguagem, o que já existiu e existe, porque a realidade abarca tudo o que a matéria um dia foi ser-estar. [1] Olavo tem ainda outro conceito concernente: o que uma vez existiu, não volta ao não-ser. O não-ser, por definição, não existe; é um termo autoevidente.
References
↑1 | Olavo tem ainda outro conceito concernente: o que uma vez existiu, não volta ao não-ser. O não-ser, por definição, não existe; é um termo autoevidente. |
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