Os Lógoi de Mário Ferreira e o Discurso Humano em Olavo de Carvalho – Parte II

  • Isaac Denyon Fonseca
  • 27 abr 2022

Dadas as explicações necessárias para entender qual processo realizaremos, vamos agora colocar em prática a ideia que expusemos no início deste artigo. Transmitiremos as ideias de “discurso” em Olavo de Carvalho, nas dez primeiras leis de Mário Ferreira – a chamada “Tétrada Sagrada” -, e, assim, delimitaremos o que é discurso pelo modo como as leis, os Lógoi, atuam nele. A primeira coisa que destacamos é a troca da conjunção ‘e‘ pela preposição ‘no‘. No artigo anterior, tínhamos a ideia de que poderíamos associar os quatro discursos às cinco primeiras leis; porém – devido aos novos estudos, e entendimentos, aos quais adquirimos -, acreditamos que a melhor forma de unir algo da filosofia de Carvalho e Ferreira é descrever como as leis ocorrem no discurso humano – e em suas quatro potências. A segunda, é que as dez leis que passaremos a descrever, atuam nos conceitos base do discurso.

L’être n’est ni une classe ni une qualité, puisque la distinction des classes ou des qualités ne peut s’effectuer qu’en lui”. [1]O ser não é uma classe nem uma qualidade, já que a distinção de classes ou qualidades só pode ser feita nele. LAVELLE. 1932 Pág.: 51   Com isso, a “nossa mente é, por natureza, abstrativa, tem a tendência de separar em conceitos distintos aquilo que na realidade se dá identicamente [isto é, unido, ou como unidade]”. “Le concept abstrait n’est que le signe d’une essence concrète dont les individus sont les membres distincts, mais inséparables”. [2] O conceito abstrato é apenas o signo de uma essência concreta da qual os indivíduos são membros distintos, mas inseparáveis. LAVELLE. 1932 Pág.: 66  Os conceitos base estão em todos os quatro discursos – não se separam deles, e deles não podem ser retirados. Porém, é através do nosso intelecto que podemos separar determinadas estruturas as quais se repetem – e é através desses conceitos que iremos primeiramente descrever.

 

   A Lei da Unidade no discurso humano


Sendo que tudo o que há no Ser está nele contido, somente poderá ter o ato de existir, apresentando-se como unidade. “Lorsque nous fixons les yeux sur l’être d’une chose, nous disons tour à tour qu’elle est contenue dans l’être et qu’elle possède l’être”. [3] Quando fixamos os olhos no ser de uma coisa, dizemos, alternadamente, que ela está contida no ser e que possui o ser. LAVELLE. 1932 Pág.: 51 Não há outra modalidade ou possibilidade para esta qualidade – que em tudo está. Interessante, neste momento, torna-se a observação sobre essa temática: L’être contient tout, le réel et l’apparence, l’intelligible et le sensible, l’acte et la donnée, le vrai et l’illusoire“. [4] O ser contém tudo, real e aparência, inteligível e sensível, ato e dado, verdadeiro e ilusório. LAVELLE. 1932 Pág.: 14

Tudo está no Ser; portanto, as coisas existentes imitam o Ser nas suas possibilidades. Elas são obrigadas a isso pois estão dentro do Ser – e o Ser apenas aceita a existência , dentro de si, daquilo que é igual a si, mesmo nas suas limitações. “L’être est un et infini à la fois en extension et en compréhension”. [5] O ser é um e infinito, tanto em extensão quanto em compreensão. LAVELLE, 1932 Pág: 53   A sua unidade e a sua existência, como ato, são duas características que em tudo está. As coisas são coisas em ato, não em potência, e, simultaneamente, são unidades. Podemos contar as coisas as quais se apresentam como ato para nós; contudo, a lei da unidade é mais profunda, por ser um Lógoi – esta se aplica até as potências, que se dão também como unidades, assim como o ato que é o Ser, pois existem dentro dele.

Algo que possui o ato da existência somente pode ser infinito ou finito. No caso de ser infinito, ele estaria no contexto Alfa, e não seria objeto de nosso estudo. Como o discurso humano é algo que se encontra no contexto Beta, podemos seguir a fórmula de Mário Ferreira: Tudo quanto é finito é unitariamente o que é e tende a tornar-se parte integrante de uma unidade“. [6] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 53 Tudo que existe só pode existir no Ser;  como as coisas secundárias sempre tem alguma semelhança com as coisas primarias, elas perpetuamente imitam a fonte da sua existência: “Ainsi, l’unité de chaque objet exprime l’unité de l’univers“. [7] Assim, a unidade de cada objeto expressa a unidade do universo. LAVELLE. 1932 Pág.: 53 Em toda e qualquer forma dotada de existência, seu ser é um“. [8] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 52

O Ser é uno, portanto: tudo que possui existência imita a unidade do Ser, pois ocorre dentro dele. A lei de unidade preside a todos os seres, os quais participam assim … da Unidade Suprema do Ser“. [9] Ibidem Todo ser que existe tem algo unitário, “mais dès que l’analyse décompose cette unité pour la résoudre en éléments, elle y distingue l’infinité des qualités associées ou des objets juxtaposés”. [10] Mas, assim que a análise decompõe essa unidade, para decompô-la em elementos, distingue nela a infinidade de qualidades associadas ou objetos justapostos. LAVELLE. 1932 Pág.: 53   Ou seja: não é a Unidade, não pode ser a Unidade absoluta – caso contrário, seria a única coisa que existe e, em segundo lugar, caso não fosse decomponível, seria eterno e indestrutível.

Podemos partir para o âmbito do nosso objeto de análise. Segundo Olavo: “A essa idéia denomino Teoria dos Quatro Discursos. Pode ser resumida em uma frase: o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica)“. [11] Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 16 Esse parágrafo resume o conteúdo da teoria a qual iremos utilizar para o nosso trabalho: o discurso como potência única, e as maneiras como ele se atualiza. Os princípios dessa potência única podem ser aplicados aos quatro discursos, “toute connaissance objective, même celle d’un autre être individuel, est abstraite[12] Todo conhecimento objetivo, mesmo o de outro ser individual, é abstrato. LAVELLE. 1932 Pág.: 59 , mas esse princípio, pela natureza das coisas que existem – estão no Ser -, possui a sua própria unidade.

Assim, para ser possível distinguir a Lei da Unidade nos princípios que são aplicáveis nos outros discursos, o discurso humano considerado como potência única que possui a capacidade de se atualizar de quatro maneiras distintas, teremos de analisar os conceitos base aos quais o descrevem:

1.  Todo discurso é movimento, é transcurso de uma proposição a outra. Tem um termo inicial e um termo final: premissas e conclusão, com um desenvolvimento no meio. A unidade formal do discurso depende da sua unidade de propósito, isto é, da disposição das várias partes em vista da conclusão desejada[13] Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 45

Nesta primeira frase, observamos algo muito interessante: o discurso, considerado abstratamente, é um movimento. Podemos dizer ser também uma ação, um ato. Sem esse ato não há discurso, pois, assim como o Ser, o discurso só pode existir como ato. É importante ressaltar isso, pois a filosofia lavelliana define o Ser como ato, enquanto a filosofia de Ferreira define o Ser como unidade. Podemos observar o primeiro sinal de que a “potência única” imita – no seu aspecto formal – a unidade e o ato do Ser, nessas duas características – o que também se encontra nos quatro discursos. A potência descreve, assim, a possibilidade de ação, as estruturas das quais ela se utiliza, e a possibilidade de querer atingir um objetivo usando-o.

2.  Premissa é aquilo que é tomado como já sabido ou já admitido, e que, deste modo, fica aquém do discurso. Há premissas explícitas e implícitas: as primeiras são mencionadas no início ou no corpo do discurso; as segundas não são declaradas. A omissão das premissas pode ser proposital ou não. O emissor pode ter certas crenças tão arraigadas e habituais que, sem pensar nelas, as tome inadvertidamente como premissas; neste caso as denominamos pressupostos, para diferenciá-las das premissas omitidas intencionalmente[14] Ibidem

É aqui que os primeiros aspectos, dados no parágrafo anterior, são descritos precisamente, e servem para possibilitar o movimento discursivo. As premissas são as primeiras características que permitem o movimento do discurso – ao qual antes era descrito apenas em seu aspecto mais geral e abstrato. As premissas, que possuem as suas próprias classificações e variações, permitem a potência única manifestar as modalidades discursivas; estas são, portanto, uma das fontes dos quatro discursos. Conforme indicado neste conceito base, a variação das premissas ocorrerá por vontade do autor.

3.  A unidade de propósito manifesta-se pelo fato de que as várias partes que compõem um discurso devem estar ligadas por algum nexo, seja ele lógico, analógico, cronológico, etc. Denomino a este nexo unidade formal, com a ressalva de que vários tipos de nexo, presentes num mesmo discurso, podem servir a uma mesma unidade de propósito[15] Op.cit

A segunda característica do discurso, considerado geralmente, é que ele sempre terá uma finalidade; para algo ter unidade sempre deve haver algo que unifique a fala – devido à finalidade que esta deseja alcançar. O nome que lhe é dado é nexo. Sua função é dar unidade à ação discursiva. Podemos dizer que esta é a segunda característica com propriedades potenciais próprias – ao qual o discurso depende para realizar o seu movimento.

4.  O propósito de todo discurso é suscitar uma modificação no ouvinte, por tênue e passageira que seja. Mudar de opinião é ser modificado; receber uma informação é ser modificado; sentir uma emoção é ser modificado[16] Op.cit

A terceira característica – com suas próprias propriedades definidas – necessária para dar possibilidade de movimento ao discurso humano, é o da modificação que ele causará no receptor. Mário Ferreira diz, em uma de suas teses, que toda lógica deve se basear em algo ontológico, e deve pender para isso. Aqui, temos uma característica que demarca o discurso – tomado como forma abstrata existente nos quatro discursos simultaneamente.

5.  À aceitação, pelo receptor, da modificação proposta, denomino credibilidade[17] Op.cit

Todo discurso é produzido por alguém e dirigido a outro. Mesmo que seja um monólogo, aquele que o produziu receberá esse discurso, e sofrerá alguma modificação com algum grau de intensidade. A credibilidade é o quarto elemento com propriedades próprias, cujo objetivo é dar possibilidade à formação dos quatro discursos; mas há uma adição a este a qual os outros não têm: a aceitação que o outro terá. O grau de confiabilidade será um dos fatores determinantes para o motivo da construção discursiva.

6.  Chamo credibilidade inicial a disposição prévia de acompanhar um discurso, aceitando ao menos provisoriamente as suas premissas; credibilidade final, a plena aceitação da modificação proposta. A credibilidade inicial exige a aceitação ao menos provisória das premissas; ela mesma é uma premissa. A credibilidade final consiste na aceitação das conclusões, bem como (implicitamente ao menos) das conseqüências que delas possam decorrer[18] Op.cit 

Aqui, temos os graus de credibilidade – aos quais estão relacionados com o discurso considerado como potência única. Pela primeira vez, temos os graus de extensão [19]“Quando empregamos as expressões que decorrem de extensão sempre queremos significar o que se prolonga, o que parte para o exterior; é um dinamismo de afastamento, de desdobramento, de … Continue reading descritos e nomeados para uma das estruturas – que permitem o movimento discursivo.

7.  Definição de discurso. — Sendo a premissa o já acreditado, as conclusões serão aqui chamadas o acreditável. Discurso é, portanto, o trânsito do acreditado ao acreditável, por meio de um encadeamento de nexos[20] Op.cit

Por fim, chegamos à definição de discurso. Algo que delimita a unidade a qual existe em cada discurso, e que possui uma lei da unidade própria – mesmo sendo uma característica abstrata presente em todos os discursos. Caso antes isso fosse uma conceptualização, um simples movimento que dependia de vários meios para realizar sua ação, agora tem uma unidade – algo que o delimita e o separa de outras coisas, que o da finitude, ao qual, de certo modo, o diferencia dos quatro discursos, pois eles possuem suas próprias funções e propósitos. Com isso, apesar de estar nos quatro discursos e nascer deles, o discurso adquire, intelectivamente, uma delimitação, uma unidade – algo que definiremos como sendo a Lei do 1 no discurso humano. “A demonstração desta aplicabilidade universal decorrerá da teoria mesma“. [21] Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 46

Importante destacar que essa unidade não se separa dos quatro discursos. O discurso humano é uma potência única que se manifesta nos quatro discursos, na unidade mesma dos quatros discursos – e só pode ser acessado intelectivamente -, sendo que também pode ser categorizado como: Une opération abstraite, étant incapable d’épuiser soit notre nature soit celle d’aucun individu, mais exprimant pourtant une de nos puissances, devra témoigner de sa liaison avec le tout en l’embrassant dans une sorte d’étreinte indéterminée, c’est-à-dire dans une étreinte qui ne se referme pas“. [22]“Uma operação abstrata é incapaz de esgotar nossa natureza ou a de qualquer indivíduo; mas, no entanto, expressando um de nossos poderes, terá que testemunhar sua conexão com o todo, … Continue reading

Esta potência somente pode se apresentar nessas quatro maneiras, e é através delas que se pode abstrair intelectivamente uma definição de discurso – e, ao constatar a sua atuação, percebemos, com isso, a Lei da Unidade. Temos então, nessa definição dada por Olavo, a Lei do Um. O Discurso Eficaz e o Discurso Malogrado, nesse sentido, são as modalidades que essa unidade pode se apresentar. O nono conceito base é análogo com o Ser, onde Mário e Lavelle concordam que tudo que há só pode ser, e tendem a se tornar, positividade. Por fim, essa Lei do Um ocorre em todos os discursos, pois é derivado deles, e não constitui um quinto discurso – já que  a Lei se aplica a todos devido às suas características generalistas. Tudo quanto é finito é unitariamente o que é e tende a tornar-se parte integrante de uma unidade“. [23] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 53  

 

  A Lei da Oposição no discurso humano


Tudo que possui a característica da finitude está no contexto Beta, e é resultado da oposição a qual há entre o ato determinante e a potência determinável. O número 2 servirá para simbolizar o logos da oposição. As coisas com a característica da finitude, apresentam em sua ordem estrutural pelo menos duas qualidades opostas. Estas coordenadas de elementos criam o que Mário Ferreira chama “díades positivas”, expressas por pares opostos. Estas, para ele, são a composição da filosofia examinada na totalidade, mas são também as primeiras classificações e divisões utilizadas pelo homem.

Caso o nosso conhecimento não vise analisar algo, tanto em sua unidade quanto em termos do qual é o oposto, será um conhecimento defeituoso – já que essas características são componentes do próprio ser. Podemos afirmar que as duas leis que servem de base, de fundamento para todas as outras; são, portanto, a lei da unidade e da oposição. Os opostos são obrigatórios, são imprescindíveis, são mais que necessários no Beta, são “absolutos”. O diádico governa todas as coisas e, em simultâneo, transcende todas as coisas finitas.

A oposição fundamental que se manifesta em todos os seres é o princípio de todos os seres finitos“. [24] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 61  É por isso que o contraste é apresentado como fundamental em Pitágoras. Os opostos estão face a face, um se refere ao outro e os dois estão relacionados, “porque o ato formativo é o ato formativo da potência materiável, como a potência materiável é a potência materiável do ato formativo“. [25] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.:  62 Portanto, ambos são subjetivos no sentido grego, um hipokeímenon, o ser absoluto da essência universal.

Observamos então, após esses pensamentos, que todo ser só pode existir como unidade, mas não pode ser a Unidade, em seu sentido mais plenamente estabelecido, porque seria infinito, e a única coisa que existe. Outra característica a qual ele teria seria sua capacidade de ser eterno, o que o tornaria indivisível e indecomponível. Portanto, temos a situação em que cada unidade apresenta essa Unidade de forma problemática e conflitiva dentro de si, ou seja: sempre apresentará alguma contradição. Em outras palavras, todo ser que apresenta algo do número 1 apresentará algo do número Dois. Esta é a manifestação da divisibilidade e das contradições. “… o trânsito do acreditado ao acreditável, por meio de um encadeamento de nexos“. [26] Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 45

Aplicando a explicação dessa lei a definição de discurso, percebemos as contradições que constituem a lei do 2. Embora definido como trânsito – um movimento que entre em pressupostos estabelecidos -, como o que é crível, ele necessitará, para poder existir ontológica e logicamente, de meios que não sejam o próprio trânsito – meios estes que existem independentemente dele e possuem suas próprias leis da unidade e da oposição. No que lhes concerne, esses meios têm os seus próprios opostos – a Lei do 2 ocorre neles tanto quanto ocorre no trânsito discursivo. Eles se manifestam na forma como as extremidades são possibilitadas devido o trânsito ocorrer, e tudo isso é realizado em torno de um encadeamento de nexos – que dará ao discurso a sua unidade de finalidade.

Podemos observar que em todo discurso há um deslocamento de uma proposição para outra. Esta unidade já apresenta as possibilidades de sua decomposição – daí a Lei do 2. Vemos que este transcurso procede das premissas à conclusão, com um desenvolvimento no meio – assim como vemos em cada unidade que está presente no contexto Beta. Devido à atuação da Lei da Oposição no discurso, essa lei impera também nas suas partes. Vemos isso nas decomposições que podemos fazer a partir da definição de discurso: premissa, nexo, modificação, credibilidade, e a própria unidade pode ainda se apresentar de duas maneiras distintas. Cada uma dessas partes, apesar de juntas formarem a unidade da definição de discurso, podem ser separadas em unidades menores – e estas podem ser decomponíveis em unidades ainda menores. Constatamos, então, a profundidade com que a Lei do 2 adentra em nosso objeto de estudo – não apenas a definição, mas em suas partes e nas partes das partes delas. Tudo nele está sujeito a essa Lei da Oposição. 

 

A Lei da Relação no discurso humano


A próxima lei que se segue é chamada lei de relação ou série. Percebemos como os opostos são necessários, essenciais e “absolutos” para qualquer coisa no Beta. Isso se deve à sua potência materiável, que terá sempre alguma forma. Para ele, essa forma impõe a necessidade do ato formativo, a sua determinação, “pois o determinante só é determinante quando há o determinável a ser determinado“. [27] Op.cit A lei da relação, que nasce das oposições nos seres do contexto Beta, não pode existir sem um par de opostos, pois dessa correlação será possível o ato de existência dos seres finitos, pois eles – na expressão aristotélica – têm a forma e matéria para ser o que é.

É indispensável percebermos a diferença a qual se dá na relação – enquanto lei de outras que ocorrem acidentalmente, das que o ente possa ter com os outros, de acidentes que possam causar alguma modificação, ou na relação a qual ele possa manter com outros acidentes. A relação, a qual expomos, neste artigo, é uma relação que “se refere ao domínio dos princípios, em contra distinção à ordem da manifestação ou da contingência” [28] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 63 , conhecido no vocabulário filosófico como Principal. Sem essa relação, “o ser não surge; ela é, consequentemente, uma necessidade do ser, e uma necessidade absoluta”. [29] Ibidem Ela tem a dupla característica de ser em simultâneo uma lei e uma categoria. O motivo de poder ser considerada uma categoria é porque ela “se dá nas coisas e podemos classificá-las, isto é, segundo os vários tipos de relações possíveis entre os opostos que a compõem, segundo o seu aspecto relativo, como uma classificação última”. [30] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 64   Podemos também considerá-la como sendo uma lei, já que possui a característica de reger tudo aquilo que está no contexto Beta. [31] “Também no contexto alfa há relações de caráter transcendental, embora noutras condições, diferentes, distintas do modo de regência dos entes que constituem o contexto beta”.

É impossível conhecer bem algo se não o vemos nos termos de sua unidade, das contradições que o compõem, e da maneira como ocorrem as correlações entre esses opostos – pois todas as entidades finitas são formadas por meio dessa relação entre opostos. Também é necessário reconhecer quais relações nascerão, que surgem devido ao aparecimento desse ser. Porque todo ser – pertencente ao arcabouço Beta – é um ser finito que começa a ser simultaneamente com a sua unidade, com a sua oposição e com as suas relações“. [32] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 64  Nas relações que se formam entre os opostos principais, surgem o desequilíbrio e o equilíbrio porque há uma matéria semiformada e graus de proporcionalidade que caracterizam o modo de ser específico da coisa quanto à sua perfeição específica“. [33] Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 67

Sabemos que toda razão tem como principal característica ser um movimento. “Todo discurso é movimento” [34] Op.cit , ou seja: é um ato, um ato que constitui o vínculo – o único meio pelo qual uma sentença pode ter alguma relação com outra. Caso não fosse assim, teríamos apenas frases individuais, sem qualquer relação. Esse movimento ocorre em um ambiente formalizado, estruturado e categorizado. O ato de movimento – que nos permite conectar uma proposição a outra – nunca perde sua face.

Observamos uma série de características, as quais podem ser decomponíveis, e constatamos como sendo a atuação da lei do 2 no discurso considerado como unidade. Vemos que o “transcurso de uma proposição a outra” pode ser decomponível “em um termo inicial e um termo final: premissas e conclusão, com um desenvolvimento no meio“. [35] Op.cit   As premissas que são aquilo que é tomado como já sabido ou já admitido[36] Op.cit , podem ser classificadas em explícitas e implícitas: as primeiras são mencionadas no início ou no corpo do discurso; as segundas não são declaradas, sendo que há ainda os pressupostos – aquele o qual o emissor possui certas crenças tão arraigadas e habituais que, sem pensar nelas, as tome inadvertidamente como premissas“. [37] Op.cit  

Devido ao movimento, ao qual serve de ligação entre as premissas, isso causa o efeito de que haja alguma unidade, alguma finalidade. Todo discurso tem um propósito, e esse deve ter um fim – ao qual o movimento deve levar, centrar, a algum nexo, seja ele lógico, analógico, cronológico, etc.“. [38] Op.cit Chamado unidade formal, o mesmo movimento, ao qual faz a transcurso de uma proposição a outra, é o mesmo que vemos ligá-la às premissas. Temos, então, o objetivo desse movimento: provocar uma modificação, seja qual for. Esta estará sujeita a credibilidade, que por ser uma unidade própria, é classificada em “credibilidade inicial a disposição prévia de acompanhar um discurso, aceitando ao menos provisoriamente as suas premissas; credibilidade final, a plena aceitação da modificação proposta“. [39] Op.cit

Por fim, chegamos novamente à definição de discurso, “o trânsito do acreditado ao acreditável, por meio de um encadeamento de nexos”. [40] Op.cit Seja como sendo movimento, ou definido como trânsito, uma coisa sempre é a mesma – entre as oposições, algo fundamental deve ligá-las, relacioná-las. O ato ao qual faz com que as coisas sejam, que as coisas não se apresentem com mera potência de existência, mas como algo ao qual há – ao qual liga as premissas por algum nexo, que deseja causar alguma modificação em um ouvinte; tudo isso é produzido devido ações, somente pode existir por um ato -, é esse ato que determinamos como sendo a atuação da lei do 3 no discurso humano. 

 

A Lei da Reciprocidade no discurso humano


 

References

References
1 O ser não é uma classe nem uma qualidade, já que a distinção de classes ou qualidades só pode ser feita nele. LAVELLE. 1932 Pág.: 51
2 O conceito abstrato é apenas o signo de uma essência concreta da qual os indivíduos são membros distintos, mas inseparáveis. LAVELLE. 1932 Pág.: 66
3 Quando fixamos os olhos no ser de uma coisa, dizemos, alternadamente, que ela está contida no ser e que possui o ser. LAVELLE. 1932 Pág.: 51
4 O ser contém tudo, real e aparência, inteligível e sensível, ato e dado, verdadeiro e ilusório. LAVELLE. 1932 Pág.: 14
5 O ser é um e infinito, tanto em extensão quanto em compreensão. LAVELLE, 1932 Pág: 53
6, 23 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 53
7 Assim, a unidade de cada objeto expressa a unidade do universo. LAVELLE. 1932 Pág.: 53
8 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 52
9, 14, 29 Ibidem
10 Mas, assim que a análise decompõe essa unidade, para decompô-la em elementos, distingue nela a infinidade de qualidades associadas ou objetos justapostos. LAVELLE. 1932 Pág.: 53
11 Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 16
12 Todo conhecimento objetivo, mesmo o de outro ser individual, é abstrato. LAVELLE. 1932 Pág.: 59
13, 26 Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 45
15, 16, 17, 20, 27, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 Op.cit
18 Op.cit 
19 “Quando empregamos as expressões que decorrem de extensão sempre queremos significar o que se prolonga, o que parte para o exterior; é um dinamismo de afastamento, de desdobramento, de alongamento, é uma direção tomada para o objeto, para o que é heterogêneo, mutável, para abrangê-lo, incorporá-lo; é centrífugo.”
21 Olavo de Carvalho – Aristóteles em nova Perspectiva – pág.: 46
22 “Uma operação abstrata é incapaz de esgotar nossa natureza ou a de qualquer indivíduo; mas, no entanto, expressando um de nossos poderes, terá que testemunhar sua conexão com o todo, abraçando-o em uma espécie de abraço indeterminado, ou seja, em um abraço que não fecha”. LAVELLE. 1932 Pág.: 66
24 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 61
25 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.:  62
28 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 63
30 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 64
31 “Também no contexto alfa há relações de caráter transcendental, embora noutras condições, diferentes, distintas do modo de regência dos entes que constituem o contexto beta”.
32 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 64 
33 Mário Ferreira dos Santos – A Sabedoria das Leis Eternas – Pág.: 67
Isaac Denyon Fonseca

Isaac Denyon Fonseca, natural de Teresina, Piauí. Bacharel em Jornalismo e Licenciando em Língua Portuguesa/Inglesa. Estudante da obra de Mário Ferreira dos Santos e Louis Lavelle.

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